Título: A gota dágua
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2008, Notas e Informações, p. A3
Quando foi escolhida, em 2002, para o cargo de ministra do Meio Ambiente, a senadora Marina Silva descreveu a missão que havia recebido do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva: 'A política ambiental do País precisa viver um novo momento. Sair daquela fase do não pode fazer para a fase de como fazer da forma correta. É por isso que no programa de Lula ele trabalha a idéia de criarmos instrumentos econômicos para viabilizar o desenvolvimento sustentado.' Ela deixa o Ministério, após cinco anos, porque, não tendo conseguido conciliar a preservação do meio ambiente com as necessidades de crescimento econômico do País, entrou em choque com vários ministros e perdeu o apoio que lhe dava o presidente da República.
A senadora Marina Silva foi escolhida pelo presidente Lula não por sua experiência como administradora - que não tinha -, mas porque era um exemplo de pessoa bem-sucedida pelos próprios esforços e de dedicação à causa ecológica, ao lado de Chico Mendes. Nascida num seringal no Acre, alfabetizou-se aos 16 anos e formou-se em História pela Universidade Federal do Acre aos 26 anos. Seu primeiro emprego foi como empregada doméstica. Fez uma carreira política, de vereadora a senadora, marcada pela seriedade e pela honestidade de propósitos - qualidades que seus adversários mais ferrenhos jamais colocaram em dúvida e que lhe granjearam merecida reputação internacional. Foi por isso - por sua origem humilde, como a do presidente, e pela influência que tinha com as entidades conservacionistas no Brasil e no exterior - que Lula a escolheu para o Ministério.
Mas, desde o início, ficou claro que a ministra não poderia harmonizar a concepção idealizada que tinha da Amazônia - de absoluta predominância da ocupação de um pouco de terra com agricultura de subsistência, de reservas indígenas e de preservação de comunidades de seringueiros e castanheiros - com os planos do governo e dos agentes econômicos privados, interessados em construir estradas, desenvolver projetos integrados de produção mineral e de geração de energia elétrica e fazendas voltadas para a produção intensiva.
Em seus primeiros três anos no Ministério do Meio Ambiente, reduziu-se substancialmente o ritmo de desmatamento da floresta amazônica - e esse foi o seu trunfo. Mas, nos últimos dois anos, o ritmo de devastação voltou a acelerar, o que levou os seus críticos a observar que os primeiros resultados não haviam sido fruto de fiscalização rigorosa, mas efeito da política de criação de áreas de proteção ambiental iniciada pelo governo Fernando Henrique e por flutuações do mercado de commodities que desestimularam a abertura de novas áreas para a agropecuária.
Prisioneira de sua própria ideologia, a ministra Marina Silva colecionou desentendimentos com colegas e derrotas políticas. Logo no início teve de aceitar, contra a vontade, a edição de medida provisória que autorizava o plantio de soja transgênica. Depois, o governo apoiou mudanças na Lei de Biossegurança que retiraram funções do Ibama. O lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi outro golpe, pois a ministra esperava que o PAC desse grande ênfase ao desenvolvimento ecologicamente sustentado, o que não ocorreu. Com as derrotas - ou apesar delas -, cercou-se de auxiliares tão ou mais comprometidos do que ela com a ideologia do conservacionismo radical. O resultado foi a virtual paralisação das concessões de licenças ambientais para obras de infra-estrutura, inclusive as do PAC.
Quando o presidente Lula reclamou, publicamente, da demora da concessão das licenças para a construção das usinas no Rio Madeira, Marina Silva pensou em demitir-se. E, em dezembro, quando o presidente se irritou com o anúncio precipitado de novos índices de desmatamento da Amazônia, e a ministra se envolveu num bate-boca pela imprensa com o ministro da Agricultura, ficou claro que seus dias estavam contados.
Na semana passada, o presidente Lula lançou o Plano da Amazônia Sustentável e entregou a sua gestão ao ministro Roberto Mangabeira Unger. Foi a gota d'água.
No Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva não fez o que o Brasil precisava, mas o que determinavam a sua formação e a sua ideologia. Debite-se essa desastrada experiência não a ela, mas a quem a escolheu para o cargo e nele a manteve por tanto tempo.
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