Título: Sem Marina, Lula ganha uma chance
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2008, Economia, p. B2

A ministra Marina Silva teve tanto motivo para se irritar e pedir demissão sem aviso prévio quanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, noutras ocasiões, para demiti-la. Não há, nesse conflito, um lado inocente. Ela já poderia ter saído, com toda a razão, quando o presidente escalou o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, para coordenar a execução do Plano Amazônia Sustentável. Poderia ter-se rebelado quando Lula assinou medida provisória (MP) para legalizar a entrega, sem licitação, de áreas de até 1.500 hectares a ocupantes irregulares. Essa MP, segundo o deputado e ex-ministro do Meio Ambiente Sarney Filho, favorece tanto a grilagem quanto o desmatamento. Mas o presidente poderia tê-la exonerado, com excelentes motivos, quando ela permitiu a transformação de seu Ministério num entrave ao crescimento econômico e à modernização tecnológica, como se na expressão ¿desenvolvimento sustentável¿ apenas o adjetivo fosse importante. A omissão de Lula custou caro.

A licença prévia para a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, saiu com dois anos de atraso, porque os técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) emperraram a tramitação do processo. Providências previstas no material apresentado pelo consórcio Furnas-Odebrecht, como a construção de um canal para passagem de peixes, foram ignoradas, e argumentos de uma ONG americana contrária à construção de barragens foram repetidos. Partiu do próprio Ibama a denúncia de uma possível inundação de terras bolivianas, aproveitada pelo presidente Evo Morales para pressionar o governo brasileiro. Em nome de quem ou de quais interesses foram feitas essas manobras? O presidente Lula reagiu com palavras irritadas à tentativa de barrar, com argumentos contestados por técnicos independentes, um dos projetos mais importantes do programa energético nacional. Mas preferiu manter a ministra.

Errou ao fazê-lo, assim como havia errado ao transformar a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) numa assembléia com participação de pessoas ideologicamente comprometidas com o combate à modernização da agricultura. Também isso teve um preço elevado para o Brasil.

A canonização política da ex-ministra Marina Silva, convertida pelos ongueiros em símbolo da luta contra a devastação ambiental, imporá um custo inevitável ao governo do presidente Lula. Mas a mudança no Ministério é uma oportunidade excelente para ele iniciar uma nova fase de real conciliação entre o crescimento econômico e a preservação do ambiente, em escala nacional - e não só da natureza amazônica.

Será um desastre para o País se a exoneração da ministra se converter numa vitória dos cortadores de árvores, queimadores de florestas, grileiros e defensores do crescimento a qualquer custo. Já se tenta usar a crise mundial de alimentos como justificativa para a expansão sem controle de lavouras e de pastagens.

Mais do que nunca, o presidente Lula precisará de bom senso e de firmeza para articular as diferentes linhas de ação do governo e dar um sentido prático à noção de desenvolvimento com sustentabilidade ambiental. Ele só terá sucesso nesse trabalho se conseguir envolver todos os Ministérios no cumprimento desse duplo objetivo. Até hoje, o governo funcionou como se diferentes setores tivessem de cumprir tarefas separadas e com freqüência conflitantes. Mas não haverá unidade de ação, se, por exemplo, o financiamento à lavoura e à pecuária for concedido sem consideração de padrões de zoneamento e dos efeitos ambientais dos processos produtivos. Da mesma forma, não pode haver uma eficiente política de modernização tecnológica se um órgão como a CTNBio ficar sujeito a critérios não científicos.

Bons agricultores fizeram muito pelo ambiente, e pela própria atividade, quando aprenderam a evitar a erosão, a manter matas ciliares e a prevenir o envenenamento de cursos d¿água pelos insumos químicos. Isso permitiu a recuperação de terras no Sul do País bem antes de haver, no governo central, uma grande estrutura destinada à formulação e à execução de políticas ambientais. Esses agricultores aprenderam uma verdade importante, ensinada principalmente por agrônomos dos serviços de extensão: conservar é bom negócio. Essa verdade simples parece haver-se perdido, nos últimos 20 anos, antes de se difundir mais amplamente e de se incorporar na cultura empresarial. Erros do governo e a desastrada politização do ambientalismo contribuíram para isso.

*Rolf Kuntz é jornalista

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