Título: Outra corrida à Justiça
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2008, Notas e Informações, p. A3

Depois da corrida de milhares de investidores aos tribunais, no ano passado, com o objetivo de pedir o ressarcimento da diferença da correção monetária aplicada às cadernetas de poupança e outras aplicações financeiras durante o Plano Bresser, de junho de 1987, agora a Justiça espera receber uma enxurrada de processos envolvendo o Plano Verão, que foi lançado em janeiro de 1989 pelo então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. A nova corrida dos poupadores ao Poder Judiciário decorre da proximidade do prazo de prescrição para a abertura de ações de ressarcimento com relação a esse plano, que vence em janeiro do próximo ano.

Como ocorreu com os sucessivos pacotes econômicos lançados pelos governos Sarney e Collor para tentar controlar a inflação galopante, o Plano Verão também infringiu normas jurídicas, sendo-lhe imputados confiscos, manipulação de índices e imposição de ¿tablitas¿. Ao substituir os índices de correção monetária, por meio da Medida Provisória (MP) 82, por exemplo, o Plano Verão teria interferido em atos juridicamente perfeitos em matéria financeira. Entre outras medidas discutíveis, do ponto de vista técnico-legal, o Plano Verão modificou o indexador das cadernetas de poupança, trocando o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) pela Letra Financeira do Tesouro (LTF).

Como a MP 82 foi baixada em 15 de janeiro de 1989, os poupadores alegam que a correção monetária relativa à primeira quinzena daquele mês deveria ter sido feita pelo IPC e não pela LTF. Na época, contudo, os bancos corrigiram todos os investimentos do mês de janeiro pela LTF, que ficou em 20,3% a menos do que o IPC. Os poupadores agora querem receber essa diferença, juntamente com os juros de mora e a correção monetária dos últimos 20 anos.

A pendência já foi julgada no mérito pelos Tribunais de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A exemplo do que já ocorrera com os Planos Cruzado e Bresser, essas instâncias judiciais deram ganho de causa aos investidores e obrigaram as instituições financeiras a ressarci-los no prazo de um ano. No entanto, os bancos apelaram para o Supremo Tribunal Federal (STF), que até agora não julgou o recurso.

Para se ter idéia da importância do caso, somente no ano passado foram impetradas em Porto Alegre cerca de 80 mil ações contra antigos pacotes econômicos. Além disso, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul impetrou dez ações coletivas de ressarcimento, abrangendo o Plano Verão e os Planos Bresser, Color I e Collor II. Entidades como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec) e a Associação Brasileira de Consumidores (ABC) vêm estimulando seus filiados a juntar extratos e saldos de investimentos da época dos antigos ¿pacotes¿, a procurar contadores ou economistas para fazer um cálculo atualizado dos valores em reais e a recorrer aos tribunais.

Essas pendências judiciais são o preço que o País hoje é obrigado a pagar pelos fracassados planos de estabilização monetária baixados sem o devido respaldo legal nos governos Sarney e Collor. São os chamados ¿esqueletos financeiros¿, que trazem para os dias de hoje, por meio de ações judiciais, as perdas, os erros de cálculo e os abusos jurídicos cometidos há duas décadas pelas autoridades econômicas. Como os processos demoram para ser julgados no mérito, os juros de mora e a correção monetária se acumulam, multiplicando os valores das causas. E, todas as vezes em que o julgamento de um ¿esqueleto¿ chega a uma etapa decisiva nos tribunais, poupadores e investidores que ainda não haviam impetrado ações procuram, em massa, o Poder Judiciário. No final, o Tesouro e as instituições financeiras acabam sendo obrigados a desembolsar somas vultosas.

Como os economistas advertem há muito tempo, os ¿esqueletos financeiros¿ decorrentes dos Planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II trazem as anormalidades do passado para o sólido e sadio sistema econômico dos dias de hoje. E isso porque, no afã de combater, nem sempre com os instrumentos acertados, uma inflação desenfreada, as autoridades econômicas não deram a indispensável atenção ao direito positivo.

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