Título: Mais vereadores, para quê?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2008, Notas e Informações, p. A3

A Câmara dos Deputados aprovou, por sintomáticos 419 votos contra 8, em primeiro turno, e por 359 votos contra 10 e 8 abstenções, em segundo turno, emenda constitucional que cria 7.554 cargos de vereadores em todo o País, justificando-a como forma de corrigir uma das muitas imperfeições da Constituição de 88, que determinou que a Lei Orgânica de cada município fixaria um número de vereadores proporcional à população local e dentro de três faixas de limites mínimos e máximos, de 9 a 21 vereadores nas cidades de até 1 milhão de habitantes; de 33 a 41 vereadores nos municípios com mais de 1 milhão e menos de 5 milhões de habitantes; e de 42 a 55 vereadores nos municípios com mais de 5 milhões de habitantes. Muito espertos, os vereadores fixaram para as suas Câmaras Municipais o número máximo de edis e se esqueceram de observar o princípio da proporcionalidade em relação à população. Criaram, assim, um monstrengo, em termos de representação política. Guarulhos, por exemplo, com 972 mil habitantes, tinha 21 vereadores, enquanto Cubatão, com uma população dez vezes menor, tinha 20 vereadores. Mas a emenda aprovada pela Câmara nada mais é do que uma ampliação do número de faixas de limites de vereadores.

Em 2004, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgando a constitucionalidade da Lei Orgânica de um pequeno município paulista, considerou que a observância do princípio da proporcionalidade era imperativa e determinou a redução do número de seus vereadores, de 11 para 9, adotando a fórmula de um vereador para cada grupo de 47.619 habitantes que ultrapassassem o limite mínimo da faixa demográfica e recomendou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que aplicasse a mesma fórmula na regulamentação das eleições municipais daquele ano: com isso foram reduzidas 8.528 das 60.276 vagas de vereadores existentes no País.

Contra as medidas saneadoras do STF e do TSE houve forte reação de políticos que precisavam de Câmaras Municipais inchadas como trampolim para suas carreiras, e de parlamentares que perdiam parte de suas ¿bases¿ municipais. A mobilização dos descontentes foi tão eficiente que, menos de dois meses depois de baixadas as instruções do TSE, a Câmara dos Deputados aprovou, por 365 votos contra 19 e 8 abstenções, projeto de emenda constitucional que reduzia o corte do número de vereadores a 5.062 vagas. Feridos os seus interesses políticos e pessoais, os deputados foram capazes de votar em tempo recorde um projeto de emenda constitucional que, em condições normais, teria tramitação demorada.

Felizmente, o projeto aprovado pela Câmara foi derrotado no Senado. Recebendo 41 votos favoráveis contra 11, o projeto não alcançou o quórum mínimo para aprovação. Durante os debates, ficaram claras duas posições. A do grupo, majoritário, que afirmava que os parlamentares não podiam ¿ficar submetidos à decisão do TSE¿. E a do grupo minoritário, mas mesmo assim vencedor, que argumentava, como o senador Eduardo Siqueira Campos, que o País precisa de mais médicos e professores, e não de mais vereadores.

Durante a votação, na terça-feira, do novo projeto de emenda constitucional, os mesmos argumentos foram usados, com variações. O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, por exemplo, disse que o projeto propiciará ¿uma distribuição mais proporcional de vereadores¿. Já o deputado Chico Alencar, do PSOL, lembrou que ¿não há demanda real da sociedade para aumentar em quase 8 mil o número dos vereadores¿. E, de fato, não há.

Mas o projeto aprovado pela Câmara vai além do aumento de vagas nas edilidades. Ele reduz o limite de repasse das prefeituras para as Câmaras Municipais de 5% a 8% da receita do município para 2% a 4,75%, sendo a variação não mais determinada pela população, mas pela receita municipal. À primeira vista, essa medida reduziria os gastos com o Legislativo municipal. Mas outro dispositivo elimina o limite de 70% para gastos com salários de vereadores e funcionários. Muitas Câmaras empenharão todo o orçamento com pessoal, deixando os gastos fixos e despesas correntes por conta do Executivo - melhor dizendo, dos contribuintes. Estes só podem esperar que, novamente, o Senado rejeite a emenda.