Título: De braço dado com o acusado
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2008, Nacional, p. A6

Junto com o processo por quebra de decoro parlamentar contra o deputado Paulo Pereira da Silva, começará no Congresso o espetáculo da indignação inerente a essas ocasiões. Contra as peripécias do colega, muitas já registradas pela Polícia Federal, várias vozes se levantarão.

Convém, porém, que o colegiado não se esqueça de que não faz muito, cerca de dois meses, cedeu a poderoso lobby - Paulo Pereira à frente - contra o fim do imposto sindical.

Manteve o trabalhador, sindicalizado ou não, obrigado a pagar um dia de salário por ano e garantiu receita de R$ 1,3 bilhão aos sindicatos. Parte do dinheiro, R$ 100 milhões, vai para as centrais sindicais, recentemente regulamentadas.

Só isso permitiu ao presidente da República o veto que liberou os sindicatos da fiscalização do Tribunal de Contas da União. Uma ação conjugada: de um lado asseguram-se os recursos, de outro a gastança é liberada a título de preservação da autonomia sindical.

Na esperta corporação chamada Parlamento, certamente não há excelência que ignore a relação entre o caixa dessas entidades e a (boa) vida financeira de vários de seus dirigentes.

Quem por descuido desconheça, recomenda-se uma entrevista do deputado Paulo Pereira, ainda aos primeiros acordes do escândalo em curso.

Na televisão, ao repudiar a suspeita de ter recebido propinas no valor de R$ 325 mil do ¿esquema¿ BNDES, o deputado disse o seguinte: ¿Alguém, como eu, que preside entidade com o número de filiados da Força Sindical, não precisa de dinheiro, muito menos de 300 mil reais.¿

Nada mais lhe foi perguntado; ele tampouco entrou em detalhes sobre a ligação entre a quantidade de associados da Força e a qualidade de suas finanças. Ficou assim uma coisa meio pesada no ar.

Nesta altura dos relatos dos fatos investigados pela PF já deu tempo de a Câmara ligar a conduta do dirigente à dinheirama adicional por ela assegurada aos cofres das entidades.

No curso do processo, muitos condenarão os atos de Paulo Pereira, mas não poderão dizer que a cigana enganou a corporação. Inclusive porque a comemoração foi barulhenta, farta e dizia respeito à entrada de dinheiro em caixa.

Primeiro, foram ao Palácio do Planalto para saudar o veto presidencial à exigência de fiscalização. Na semana seguinte, um coquetel reuniu parlamentares e sindicalistas, num total de 1.500 pessoas - Paulo Pereira à frente - no Salão Negro do Congresso.

A festa teve champanhe, uísque, canapés, sushis fresquinhos preparados na hora e distribuição de diplomas de deputado ou senador ¿amigo¿ dos sindicalistas.

Estava lá todo o arco da representação: os presidentes da Câmara e do Senado, parlamentares de variados matizes e o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, partido de Paulo Pereira, braço parlamentar da Força.

O episódio não mitiga o poder da Câmara de investigar e eventualmente condenar Paulo Pereira da Silva. Mas serve para recordar a suas excelências prestes a iniciar mais uma catarse: neste caso, andaram recentemente de braços dados com o acusado, que é apenas um dos personagens desse obscuro mundo das finanças sindicais ao qual o Parlamento acaba dar generosa contribuição.

Papo-cabeça

Autor do pedido anterior de vista, o ministro Carlos Alberto Direito socorreu-se na filosofia e lá ficou - ao abrigo do estigma da decisão de orientação religiosa - na maior parte de seu voto híbrido em tese, mas na prática contrário ao uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas.

Em sua longa e fundamentada argumentação, Carlos Alberto Direito passeou por vários campos, evitando, porém, o da fé, para concluir o seguinte: o ser humano só existe porque tudo o que nele existe está contido, potencialmente, no embrião que, na condição de representação essencial da existência, deve ser protegido pelo princípio constitucional da intocabilidade da vida.

Ao fim da apresentação o ministro relator, Carlos Ayres Britto, resumiu as três horas de leitura em duas palavras, chamando o voto de Direito de ¿construção cerebrina¿.

Linha justa

O recado importante mesmo, o presidente Luiz Inácio da Silva deu ao final da cerimônia de posse do ministro Carlos Minc: não há política de ministro, há a política do presidente.

Junte-se a mensagem à brincadeira sobre possível parentesco do novo ministro com o homem da cobra - ¿Em uma semana falou mais que a Marina em cinco anos¿ - e Minc deve entender o seguinte: está liberado para pensar e falar, mas, na hora de agir, vale a regra de cima.

A rigor, Lula não teria necessidade de lembrar de quem é a prerrogativa de delinear políticas. Se no caso do meio ambiente lembrou, é porque achou necessário.