Título: Arquivos podem perder sigilo eterno
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2008, Nacional, p. A11

Projeto em estudo na Casa Civil limita a 60 anos prazo em que documentos ultra-secretos ficarão protegidos

O governo prepara um projeto de lei, a ser encaminhado ao Congresso, para pôr fim ao sigilo eterno de documentos referentes ao regime militar (1964-1985), incidentes diplomáticos e guerras. A idéia que prevalece é de estipular um prazo máximo de até 60 anos - 30 anos, renováveis por mais 30 - para que esses arquivos permaneçam fechados para consulta.

Após esse prazo, os papéis seriam abertos e ficariam integralmente disponíveis no Arquivo Nacional para qualquer interessado. Nem mesmo as tarjas pretas, que protegem determinadas informações - como nomes de envolvidos em fatos históricos -, seriam mantidas.

A discussão do projeto de lei está sob o comando da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. A ordem dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, é para discutir a melhor forma de tirar os documentos das gavetas. Não há, porém, prazo para que o projeto seja encaminhado ao Congresso.

O decreto que regulamenta a questão define que ¿o acesso aos documentos sigilosos referentes à segurança da sociedade e do Estado¿ será restrito por até 30 anos, renováveis por mais 30, a partir da data de elaboração dos papéis. Os documentos ¿referentes à honra e à imagem das pessoas¿ poderiam ficar até 100 anos em segredo. Mas a Lei 11.111, promulgada em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, permite que, com uma canetada da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, os documentos sejam mantidos em sigilo para sempre.

Basta aos integrantes da comissão justificarem que a papelada ¿ameaçará a soberania, a integridade territorial nacional ou as relações internacionais do País¿. Se for essa a alegação, o colegiado pode ¿manter a permanência da ressalva ao acesso do documento pelo tempo que estipular¿.

O que o governo pretende agora, de acordo com integrantes do grupo que discute o pré-projeto, é tirar esse poder discricionário da comissão. Esgotado o prazo de 60 anos, mesmo que o governo entenda que as informações podem prejudicar a relação com outro país, os documentos se tornarão públicos.

RESISTÊNCIA

A principal resistência à mudança vem do Itamaraty e das Forças Armadas. Segundo integrantes do grupo de trabalho, o Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores, é o principal depositário de documentos de sigilo eterno, textos que poderiam complicar a relação do Brasil com países da América do Sul.

Exército, Marinha e Aeronáutica, de acordo com um ministro do governo, resistem à abertura de arquivos porque afirmam não dispor de documentos próprios da época da ditadura militar, que relatariam o seu lado da história.

A discussão surge no mesmo momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) é instado a julgar a constitucionalidade da Lei 11.111. Na semada passada, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, questionou no Supremo a constitucionalidade da norma, sob o argumento de que a sociedade tem o direito de conhecer sua história.