Título: Chávez recua em escola bolivariana
Autor: Miranda, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2008, Internacional, p. A14

Plano de infiltrar ideologia e visão militarista no currículo oficial esbarra em resistência e causa queda de ministro

O projeto bolivariano do presidente Hugo Chávez e o entusiasmo socialista de seus partidários dão sinais de desgaste na Venezuela. Quase seis meses após ter suas idéias ¿revolucionárias¿ rejeitadas no referendo de dezembro, Chávez via na educação uma maneira eficaz de promover sua ¿reforma da sociedade¿.

Mas o plano do presidente de implementar o ¿currículo bolivariano¿ nas escolas esbarrou na resistência de pais de alunos, estudantes e professores que deixaram claro que não estão interessados no ¿socialismo do século 21¿. ¿Já dissemos `não¿ a essas mudanças no referendo de dezembro¿, disse ao Estado Omaira Fernandez, mãe de Alexandro, de 9 anos, aluno do 3ª ano de uma escola particular de Caracas. ¿Continuaremos resistindo a essa imposição.¿

A grande rejeição à educação bolivariana é mais um duro golpe contra Chávez - às voltas com a queda vertiginosa de sua popularidade -, pouco antes do início da campanha oficial de seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) para as eleições regionais de novembro.

Acuado, o presidente foi obrigado a amenizar sua retórica, abrir a proposta para discussão e substituir o ministro da Educação e autor do projeto, seu irmão Adán Chávez, no começo do mês. ¿Soube de uma professora que fazia crianças repetirem `fora Chávez!¿ Quem faz isso não pode ser educador. Mas também não podemos obrigar as crianças a dizerem `Pátria, Socialismo ou Morte!¿¿, disse o presidente. ¿Não pode ser nem um extremo nem o outro.¿

No ano passado, enquanto o governo ainda preparava o projeto de Carta que reforçaria os poderes do presidente e lhe permitiria candidatar-se a infinitas reeleições, o Ministério da Educação começou a redigir a proposta de reforma com base em conceitos nacionalistas para ser implementada no ano letivo de 2008, que tem início no segundo semestre.

¿Essa reforma é socialista, militarista e totalitarista¿, afirmou o presidente da Federação Venezuelana de Professores, Orlando Alzuru. Adán Chávez foi o grande mentor do novo currículo, cuja proposta estava recheada de conceitos como ¿socialismo¿, ¿desenvolvimento interno¿ e ¿nova geometria do poder¿ - idéias esboçadas também no projeto constitucional.

¿A proposta de Educação foi construída com idéias socialistas da reforma constitucional de Chávez¿, afirmou o cientista político Alfredo Ramos Jiménez, da Universidade dos Andes, em Mérida. ¿O governo fez o projeto dessa maneira porque tinha certeza de que sairia vitorioso após a consulta popular.¿

No referendo, a proposta do presidente foi derrotada por 50,6% dos votos e o projeto da educação bolivariana seguiria nos meses seguintes pelo mesmo caminho da rejeição. ¿O grande erro de Chávez foi ignorar o resultado de dezembro e insistir na reforma curricular¿, explicou Jiménez.

¿Pelo currículo bolivariano, as crianças receberiam aulas, no 5º ano, de `estudos do poder popular¿, um conceito que não existe na Constituição, mas estava previsto na proposta chavista derrotada¿, disse Alruzu. Para o professor, o projeto é perigoso, pois põe em risco a qualidade da educação no país. ¿Chávez quer utilizar os professores como instrumento para institucionalizar seus projetos¿, disse Alzuru. ¿É uma proposta que piora a já decadente educação venezuelana.¿ De acordo com ele, a reforma viola as leis de educação e os acordos feitos com a Unesco em toda a América Latina.

CONTEÚDO MILITAR

No início do ano, o Ministério da Educação começou a treinar professores com base no conteúdo do novo currículo, que além de ter o ¿ideal bolivariano¿ como base também faz exaltação às Forças Armadas. ¿O curso é basicamente sobre ideologia política, no qual passam horas falando sobre Che Guevara¿, disse Alzuru, que participou de algumas aulas-piloto oferecidas pelo governo em Caracas. Para ele, o conteúdo militar no currículo vem da ¿mentalidade de guerra¿ do presidente.

¿Chávez acredita que podem invadir a Venezuela a qualquer momento e quer que as crianças aprendam técnicas para resolução de conflitos que são inúteis.¿ O vice-presidente da Associação Venezuelana de Educação Católica (Avec), José Luis Andrade, acredita que um dos motivos do fracasso do projeto foi o governo não ter buscado diálogo com os educadores.

Após manifestações em todo o país e pressão da sociedade civil, o governo decidiu suspender a implementação da reforma e submeter seu projeto a uma consulta popular no ano que vem.

¿Pelo menos durante esse ano o governo não tentará impor essas mudanças porque está enfraquecido politicamente¿, explicou Ramos Jiménez. ¿Chávez provavelmente será derrotado nas eleições de novembro e assim não terá força política para pôr essa reforma em prática.¿

No entanto, o presidente da Federação Venezuelana de Professores acredita que o governo tentará implementar a reforma de outras maneiras. ¿Se as mudanças forem aplicadas, o futuro da Venezuela será triste¿, disse Alzuru. ¿Seremos um país condenado ao fracasso.¿