Título: Brasil vai a júri por morte materna
Autor: Iwasso, Simone
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2008, Vida&, p. A19

Comitê da ONU avaliará caso de mulher grávida que faleceu por causa de atendimento médico deficiente

Alyne da Silva Pimentel tinha 28 anos e estava no sexto mês de gravidez quando procurou um centro de saúde do Rio com vômitos e dores abdominais. Ela não sabia, mas o feto que carregava já estava morto. Demoraram para descobrir, demoraram para operá-la. Houve falta de atendimento, muitas horas de espera e ela morreu cinco dias depois, com hemorragia interna. Isso foi em novembro de 2002. Agora, mais de cinco anos depois, o caso levará o Brasil a ser julgado pela primeira vez pelo Comitê das Nações Unidas pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw).

Fundado na Assembléia-Geral da ONU de 1979 - e do qual o Brasil passou a ser signatário parcial em 1984 e integral em 1994 -, o comitê é formado por representantes de 23 países-membros, que devem observar o cumprimento das metas definidas na convenção. O País atualmente está representado pela jurista Sílvia Pimentel, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Os responsáveis por levar o caso ao comitê foram a Advocaci e o Centro pelos Direitos Reprodutivos, organizações não-governamentais sediadas nos Estados Unidos, que atuam em todo o mundo pela saúde e pelos direitos das mulheres. "Consideramos que esse é um caso simbólico e muito importante. A decisão que o comitê vai tomar terá repercussão em todos os países-membros", afirma a advogada Carmem Campos, consultora do Centro no Brasil.

O comitê aceitou o caso e já notificou o governo brasileiro, que tem até agosto para se pronunciar. A resposta oficial será, então, analisada. Após isso, os 23 membros julgam a representação. "Este é um momento para que o Brasil reflita se suas políticas para combater a mortalidade materna estão sendo efetivas", complementa.

O Brasil é responsável por um terço das mortes maternas na América Latina, 98% delas evitáveis, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O próprio organismo, em documento elaborado com o Unicef e o Banco Mundial, afirmou que o índice brasileiro, oficialmente de 72 mortes por mil mulheres, é maior do que de países menos desenvolvidos.

No dossiê encaminhado ao comitê, as organizações citam estudos pelos quais, com investimento de US$ 3 ao ano por mulher, é possível reverter a situação. O valor é baixo porque são necessárias ações simples para combater as complicações mais comuns do parto, como infecção e hemorragia - dispensando tanto equipamentos de tecnologia avançada quanto medicamentos caros.

Para o Ministério da Saúde, no entanto, já estão ocorrendo avanços. Entre os principais, estão as campanhas e treinamentos para reduzir os índices de cesariana e promover o parto humanizado, ensinando agentes a lidar com complicações do parto, segundo Regina Viola, coordenadora de Saúde da Mulher do ministério.

"Estamos adotando uma série de ações e chegando a uma estagnação nos últimos anos, nem subindo muito, nem caindo muito", explica. "É muito difícil lidar com os índices porque há muita subnotificação e muita falha no próprio registro dos dados", explica. Ela cita também o empenho para atender aborto inseguro e a política de acesso a contraceptivos.