Título: Governo já trabalha com inflação acima da meta oficial de 4,5%
Autor: Fernandes, Adriana; Abreu, Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2008, Economia, p. B1

Ministério da Fazenda admite pela primeira vez que IPCA vai ficar acima do centro do alvo este ano, com 4,74%

e Fabio Graner, Brasília

A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda admitiu ontem pela primeira vez que a inflação oficial de 2008 medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficará acima do centro da meta de 4,5%. As projeções de parâmetros econômicos, divulgadas como parte do relatório de avaliação de receitas do segundo bimestre, apontam 4,74% no fim do ano.

Com a alta da inflação, setores do governo já começam a querer que o Banco Central explicite que vai perseguir uma inflação de 5%, em vez de 4,5%. O mecanismo, chamado de "meta ajustada", já foi usado no passado pelo próprio governo Lula.

Trata-se de uma tese que divide opiniões, mas ocorre em momento oportuno: em junho, o Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne para ratificar ou não a meta de 4,5% para 2009 e definir a de 2010 - ano de eleições presidenciais no País.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, não entra na polêmica nem cede a argumentos de que poderia explicitar que já não está mirando a inflação de 4,5% este ano. Por meio de sua assessoria de imprensa, disse que "desconhece a discussão". "Os assuntos de política monetária são tratados em reuniões do Copom e comunicados pelas atas das reuniões do Copom."

Os diretores do banco posicionam-se para relacionar as ações adotadas para conter a alta dos preços e identificar seus reflexos na política monetária. Um ministro de Lula defende a posição do BC e vai além: garante que a alta dos preços deverá refluir no segundo semestre.

Na contramão do mercado financeiro, esse ministro não acredita que o BC dará um chute na taxa Selic na reunião de 3 e 4 junho. "O Copom deve aumentar a Selic somente em 0,25 ponto porcentual." O mercado financeiro e economistas de bancos consideram a possibilidade de alta de até 4 pontos porcentuais até o fim do ano na taxa, atualmente de 11,75% ao ano.

O relatório da SPE eleva de 11,34% para 12,28% ao ano a projeção da taxa média de juros em 2008, mas mantém em 5% a previsão de expansão da economia.

A possibilidade de deslocamento do centro da meta para acomodar pressões inflacionárias pode afetar a credibilidade do governo, principalmente no momento em que o presidente Lula quer "dar um salto", aproveitando a alta dos preços dos alimentos para transformar o Brasil numa referência mundial de produção de grãos.

Hoje, Lula reúne os ministros da Fazenda, Guido Mantega, da Agricultura, Reinhold Stephanes, da Casa Civil, Dilma Rousseff, do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e integrantes da Embrapa para discutir a alta dos alimentos. A idéia é levantar opções ao aumento da produção e reverter os gargalos que impedem um salto maior na produção agrícola, prevista em 142,6 milhões de toneladas este ano.

A crise dos alimentos afeta o Brasil, que enfrenta restrições na oferta de produtos e insumos básicos. A expectativa, segundo o mesmo ministro, é um plano de longo prazo para garantir ao Brasil o papel de fornecedor de produtos alimentícios. Nessa reunião, será avaliado esse plano e as medidas a serem adotadas para superar os gargalos na infra-estrutura, como estradas e portos, e até o aumento na fabricação de máquinas e equipamentos.

A tese de uma meta de inflação mais adequada às pressões externas nos preços é sustentada pelo temor de que a continuidade da alta na Selic reverta a trajetória de crescimento da economia. Mesmo argumentando que a inflação é baseada em choques de oferta, no Ministério da Fazenda há quem reconheça a necessidade de elevar a Selic. A questão, mais uma vez, é quanto à dosagem.