Título: Debate sobre usina acaba em agressão
Autor: Mendes, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2008, Economia, p. B7

Engenheiro da Eletrobrás é atacado a socos e golpes de facão ao fim de palestra sobre hidrelétrica de Belo Monte

O engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende foi agredido a socos e ferido com golpes de facão por vários índios caiapós ao final de uma palestra em Altamira, Pará. Rezende participava do encontro Xingu Vivo para Sempre, que reuniu 3 mil pessoas - metade delas índios - e debateu os impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte na região. O engenheiro havia acabado de falar sobre os detalhes técnicos do projeto. Liderados pela índia Tuíra Caiapó, os índios avançaram sobre Rezende, que teve a camisa rasgada e foi ferido no braço pelo facão de um dos agressores.

Rezende teria criticado de maneira contundente o cientista, ambientalista e professor da Universidade de Campinas Osvaldo Sevá, autor de um livro contrário à hidrelétrica. "Quero esclarecer aqui informações que foram faladas erroneamente pelo palestrante anterior", disse ele, apontando Sevá, que havia criticado o projeto. O cientista é admirado pelos índios.

"Há 20 anos, o governo não levava em conta os índios e as questões ambientais, agora é diferente", disse Rezende. Segundo ele, é preciso que os brasileiros deixem de ser egoístas. "Em 2017, haverá cerca de 204 milhões de pessoas. Todos têm de ter energia. Se a energia da Região Sudeste acabar, a gente manda a energia - gerada por Belo Monte - para lá", afirmou o engenheiro. As vaias a Rezende eram constantes durante sua palestra e, por isso, ele elevou o tom de voz. Isso foi tomado como afronta e desafio aos índios.

Os caiapós garantem que não agrediram o engenheiro, mas apenas se aproximaram dele, cantando e empunhando bordunas - espécie de porrete - e terçados - tipo de facão usado para abrir picadas na mata. Ainda segundo os índios, formou-se então uma roda em torno do engenheiro, que só conseguiu sair da área com a intervenção dos organizadores.

A vítima foi levada ao Hospital Regional da Transamazônica, enquanto outros técnicos da Eletrobrás registravam queixa. A diretoria da estatal divulgou nota em que "manifesta indignação diante do ocorrido e afirma que tomará as providências necessárias para que os responsáveis pelo incidente sejam punidos".

A Eletrobrás estuda retirar seus técnicos do evento. Alega não haver clima para a permanência deles na cidade. Na hora da confusão, havia 600 índios de várias etnias no salão onde se realizava o encontro, enquanto a Polícia Militar tinha menos de dez homens no local. Duas equipes de televisão estrangeira registraram o tumulto.

Participam do encontro autoridades do Ibama, da Funai, do setor elétrico nacional e ambientalistas. O cacique Tembetoén, do povo arara, da aldeia Cachoeira Seca, foi aplaudido ao recusar a barragem que "vai trazer poluição, doença e miséria e vai acabar com os rios e com os peixes".

Belo Monte, no entanto, é a grande aposta do governo federal para dar continuidade à expansão do parque gerador brasileiro, após a conclusão do processo de licitação das usinas do Rio Madeira. Considerando um crescimento anual do consumo elétrico da ordem de 5%, o Brasil terá de acrescentar cerca de 4 mil MW de potência ao sistema por ano. O problema é que no Sudeste todos os grandes aproveitamentos já foram explorados. O que resta hoje, e não é pouco, está na região amazônica, de extrema sensibilidade do ponto de vista ambiental.

Por isso, o governo já marcou para o ano que vem o leilão de Belo Monte. Resta saber agora se haverá disponibilidade e jogo de cintura por parte do governo para contornar a situação envolvendo índios e ambientalistas. Um ponto positivo ontem foi a decisão da desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Selene Almeida, de cassar liminar da Justiça Federal de Altamira e autorizar a participação das empreiteiras Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez nos estudos de impacto ambiental da usina.

COLABOROU RENÉE PEREIRA

FRASES

Paulo Fernando Rezende Engenheiro da Eletrobrás

"Há 20 anos, o governo não levava em conta os índios e as questões ambientais, agora é diferente. Em 2017, haverá cerca de 204 milhões de pessoas. Todos têm de ter energia "

Cacique Tembetoén Povo arara da aldeia Cachoeira Seca

"(Barragem) vai trazer poluição, doença e miséria e vai acabar com os rios e os peixes"