Título: O governo e a inflação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2008, Notas e Informações, p. A3

O governo, segundo fontes de Brasília, estuda medidas fiscais e monetárias para conter a alta de preços. O pacote deve incluir um aumento do depósito compulsório dos bancos, para limitar sua capacidade de empréstimos, e a elevação do superávit primário de 3,8% para 5%. Se a informação se confirmar, será uma rara ação coordenada entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC).

A inflação continua a subir, é sentida pelo consumidor e o Executivo quer evitar a pecha de omisso, mas até agora tomou somente as providências fáceis, simpáticas e até certo ponto cosméticas, deixando o trabalho pesado e impopular ao Banco Central (BC). Analistas dão como certo um novo aumento dos juros básicos. O desafio principal, nesta altura, já não é atingir o ponto central da meta, 4,5%, mas limitar o desvio ao mínimo possível. O Índice Geral de Preços-10 (IGP-10), da Fundação Getúlio Vargas, subiu 1,52% entre 11 de abril e 10 de maio, com alta de 10,71% acumulada em 12 meses. Os preços por atacado aumentaram 1,91% no mês. Os alimentos não foram o principal fator de pressão e isto desqualifica, mais uma vez, a idéia de uma inflação do ¿feijãozinho¿, sustentada recentemente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. As pressões são mais amplas e é preciso limitar o repasse ao varejo. Para isso, será preciso conter a demanda de consumo.

No primeiro trimestre, as vendas do comércio varejista foram 12% maiores que as de janeiro a março de 2007, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Há quem fale em arrefecimento da procura nos próximos meses, mas, por enquanto, não há sinais importantes de mudança. O consumo cresce bem mais velozmente que a produção industrial. No primeiro trimestre, a indústria produziu 6,3% mais do que um ano antes. A pressão sobre os preços tem sido em parte limitada pelo aumento das importações. Ainda há espaço para o aumento das compras de produtos estrangeiros, mas a balança comercial vem-se deteriorando com muita rapidez e isso não é desejável.

As principais medidas tomadas ou prometidas oficialmente pelo Executivo, até agora, têm pouco ou nenhum efeito em relação aos preços, a curto prazo. Depois de alguma hesitação, o governo autorizou novas compras de trigo de fora do Mercosul. Devia tê-lo feito antes, para atenuar os problemas causados pela suspensão das vendas argentinas, mas a decisão foi retardada pelos critérios da diplomacia regional. Também foi anunciada a redução de impostos sobre trigo, farinha e pão francês, mas com efeitos duvidosos, por enquanto.

Além disso, o governo prometeu ampliar financiamentos e diminuir impostos sobre insumos, para estimular o plantio de alimentos. São providências bem-vindas e o governo já deveria tê-las incorporado na rotina da política agrícola, mas também não terão efeito imediato.

Muito mais sério, como política de ajuste, seria um esforço para conter o aumento do gasto público, um dos fatores mais importantes de expansão da demanda. O governo tem preferido encenar uma política de austeridade, prometendo não gastar o excedente do superávit primário. Se a receita for mais que suficiente para garantir a economia programada para o pagamento de juros - 3,8% do Produto Interno Bruto -, a diferença irá para o Fundo Soberano, segundo o ministro da Fazenda.

Mas a própria meta de 3,8% já é sabidamente folgada e o governo, tudo indica, poderá cumpri-la facilmente mesmo com expansão do gasto corrente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de assinar medida provisória (MP) para salários do funcionalismo. Com isso, o limite de aumento de gastos com os servidores foi elevado de R$ 3,4 bilhões para R$ 10,96 bilhões em 2008. ¿Estamos fazendo reajustes para 2008, 2009 e 2010¿, disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Antes disso, o presidente já havia criado gastos extraordinários de R$ 3,2 bilhões por meio de MPs. O Supremo Tribunal Federal proibiu esse procedimento, há poucos dias, lembrando simplesmente a limitação prevista na Constituição. Apesar disso, o Executivo recorreu ao mesmo instrumento para inflar a folha de salários. É difícil, portanto, esperar do Executivo alguma iniciativa séria de contenção de gastos. Essa intenção tem sido tão estranha à sua agenda quanto a disposição de respeitar os limites constitucionais à edição de MPs. Resta conferir se desta vez haverá uma boa surpresa.