Título: A nova CPMF é mesmo para o quê?
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2008, Economia, p. B2

O presidente Lula discute hoje, durante reunião de coordenação política do governo, a proposta de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), agora com alíquota de 0,08%, o que daria uma receita anual em torno de R$ 8 bilhões. O dinheiro seria destinado a ações e serviços públicos de saúde.

O principal argumento em defesa da nova CPMF é o de que a saúde precisa de mais recursos, mas não há como aumentar os gastos pelo simples motivo de que não há receita disponível. Na semana passada, o próprio presidente Lula desmontou esse argumento ao baixar medida provisória (a de número 430) autorizando o Ministério do Planejamento a gastar este ano, adicionalmente, R$ 7,5 bilhões com o reajuste de salários dos servidores civis e militares.

Essa despesa com os servidores é nova, pois não estava prevista na lei orçamentária deste ano. E ela é permanente, ou seja, os gastos com pessoal serão acrescidos desse valor daqui para frente. O Orçamento previa apenas um crédito de R$ 3,5 bilhões para ser utilizado na reestruturação de cargos, carreiras e revisão de remunerações de servidores federais. Com os R$ 7,5 bilhões, esse gasto passou para R$ 11 bilhões, mais do que a área de saúde reivindica.

Outras despesas estão sendo feitas pelo governo para aproveitar a excepcional arrecadação deste ano, que baterá recorde, mesmo sem a CPMF. Numa tentativa de conter a inflação, o governo reduziu a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) cobrada sobre o preço da gasolina e do diesel. Com isso, o Tesouro Nacional perderá R$ 2 bilhões este ano.

Para evitar que a inflação penalize os mais pobres, o governo reduziu a tributação que incide sobre o trigo, a farinha de trigo e o pãozinho. Com essa medida perderá outros R$ 500 milhões. Na semana passada, anunciou um pacote de desoneração tributária, no âmbito da nova política industrial, que resultará em perdas para os cofres públicos de cerca de R$ 8 bilhões ao longo dos próximos anos.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, demonstra não acreditar na escassez de recursos, pois anunciou, na semana passada, que vai utilizar parte do ¿excedente¿ da receita do Tesouro Nacional deste ano para alimentar o Fundo Soberano do Brasil (FSB), ainda a ser criado por meio de projeto de lei.

A idéia é usar 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para esse fundo, que teria o objetivo de sustentar os empreendimentos de empresas brasileiras no exterior, financiar importadores de produtos brasileiros e outras ações do governo na América Latina e na África. Ou seja, o Fundo representará despesa adicional para o Tesouro Nacional, não prevista no Orçamento de 2008. Os 0,5% do PIB equivalem a R$ 14 bilhões. Ou seja, quase o dobro dos recursos que a área de saúde deseja para este ano.

É importante observar que ninguém sabe, nem mesmo os especialistas da Receita Federal do Brasil (RFB), qual será o tamanho do ¿excedente¿ da receita do Tesouro Nacional este ano, ou seja, quanto o governo vai arrecadar a mais do que inicialmente previa.

O economista Amir Khair, por exemplo, estima que, mesmo sem a CPMF, a carga tributária total crescerá 0,92% do PIB este ano em relação ao ano passado. A carga subirá de 35,93% do PIB registrada em 2007 para 36,85% do PIB este ano, de acordo com Khair, que utilizou em seu cálculo a mesma metodologia usada pela RFB.

O aumento maior da receita se dará, segundo projeção do economista, na área federal. Khair estima que a carga tributária da União subirá 0,55% do PIB - o que corresponde mais ou menos a R$ 15 bilhões. Esse valor refere-se apenas ao crescimento da receita com impostos federais e contribuições sociais e econômicas.

O aumento das receitas do Tesouro Nacional provenientes de concessões de serviços públicos, de dividendos das empresas estatais, de royalties do petróleo e participações especiais, entre outras, não está no cálculo de Khair. Isso significa que o aumento da arrecadação do Tesouro este ano vai superar em mais de R$ 15 bilhões a própria previsão do governo, que consta do decreto de programação orçamentária e financeira, como mostrou a repórter Adriana Fernandes, na edição de ontem do Estado.

A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados fez uma simulação interessante e que merece ser considerada. Os consultores Flávio Tavares, Márcia Moura e José Cosentino observaram que a receita com os tributos federais diretamente administrados pela RFB, exceto a contribuição do INSS, obtida no primeiro trimestre de 2006 e de 2007 correspondeu a 23,5% do total arrecadado em cada um desses anos. Se esse padrão for mantido em 2008, os consultores estimam que o governo obterá R$ 38,9 bilhões a mais do que projetou no decreto de programação orçamentária e financeira. Mas eles advertem que essa simulação deve ser vista com cautela.

A idéia de recriar a CPMF também é um paradoxo, pois ela surge pouco tempo depois do governo federal ter enviado ao Congresso Nacional um projeto de reforma tributária. Ao anunciar a proposta, Mantega disse que, pela primeira vez, a reforma não implicaria em aumento da carga de tributos. Pelo visto, este discurso foi abandonado.