Título: Dólar barato e juro elevado podem minguar a nova política industrial
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2008, Economia, p. B7

Economistas consideram que são necessárias medidas adicionais para remover os obstáculos ao crescimento

Elaborada para estimular as exportações e os investimentos produtivos, a política industrial anunciada na semana passada pelo governo pode ter seus objetivos comprometidos pela manutenção do real supervalorizado em relação ao dólar e dos juros em níveis elevados no País.

Segundo empresários e economistas ouvidos pelo Estado, iniciativas como a desoneração tributária e outras medidas de estímulo às exportações previstas no pacote teriam eficácia limitada diante da perda de competitividade que a contínua queda do dólar impõe ao produto brasileiro. Além disso, os juros altos desencorajam as decisões de investimento para expandir a produção, na medida em que são inibidores de demanda.

"É preciso que haja convergência de todas as políticas numa única direção: a do desenvolvimento", comenta o economista Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Para ele, além de uma política de juros e câmbio mais favorável aos investimentos, seriam necessárias outras iniciativas do governo, como fazer o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) andar mais rápido, de forma a garantir condições de infra-estrutura capazes de dar sustentação a novos projetos produtivos.

"A política atual mantém a inflação relativamente baixa em comparação com outros países, mas a um custo de juros crescentes que acaba por contaminar o ciclo de investimentos", diz Pochmann.

No entanto, o economista pondera que os objetivos do Banco Central (BC) são de curto prazo, enquanto os da política de desenvolvimento produtivo são de médio e longo prazos.

Entre as grande metas a serem cumpridas até 2010 estão a ampliação dos investimentos de 17,6% para 21% do Produto Interno Bruto (PIB) e o aumento da participação do Brasil nas exportações mundiais de 1,18% para 1,25% . Para isso, o governo lançou um pacote de medidas de desoneração tributária, subsídios e financiamentos da ordem de R$ 266 bilhões até o fim do governo Lula.

"São medidas de saneamento burocrático, de melhoria de competitividade e de financiamento que precisam ser feitas, mas não há política industrial que saia ilesa de qualquer relação de sub ou sobrevalorização cambial", afirma Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Para ele, o governo não está insensível ao problema da valorização do real em relação ao dólar e deverá agir caso a situação se agrave ainda mais. "A política industrial que foi anunciada é o início de um processo", diz o diretor da Fiesp.

"Eu tive a oportunidade de confirmar isso com o ministro (do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) Miguel Jorge, com quem estive na quinta-feira, e inúmeras medidas virão nas próximas semanas e meses, inclusive algumas de efeito na questão cambial", disse ele.

Segundo Giannetti da Fonseca, existem mecanismos que podem ser adotados sem mudar o regime de câmbio flutuante e sem heterodoxia. "O ministro disse que novas medidas virão, entre elas poderão vir medidas do Ministério da Fazenda e do Banco Central, como já ocorreu com a criação do Fundo Soberano, para tentar mitigar o problema do câmbio".

O coordenador-geral do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), Mario Ernesto Humberg, considera que o quadro é dramático para as pequenas e médias empresas. "O desenvolvimento desse segmento é sufocado pelo alto nível dos juros, pela carga tributária, pelo real sobrevalorizado, pela legislação trabalhista e pela burocracia, que continuarão iguais com o novo pacote".