Título: 'Precisamos de projetos. Dinheiro não faltará'
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2008, Economia, p. B9

Para diretor do BNDES, a indústria brasileira precisa investir em inovação para sobreviver à concorrëncia chinesa

O economista João Carlos Ferraz foi a única escolha do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, para a diretoria do banco. Os outros cinco integrantes vieram da gestão anterior. Doutor em economia da inovação e políticas públicas pela Universidade de Sussex (Inglaterra), Ferraz é um entusiasta dos processos inovativos e está convencido, como Coutinho, de que está aí a chave para o crescimento econômico nacional. Um dos idealizadores da nova política industrial do governo, ele garante que os recursos para aperfeiçoamento tecnológico no banco não ficarão restritos aos R$ 6 bilhões previstos até 2010. ¿Inovação é prioridade, é a estrela. Precisamos de bons projetos. Recursos não faltarão¿, diz, admitindo que esse é realmente um universo para empresas grandes. ¿O jogo é pesado.¿ A seguir, os principais trechos da entrevista:

A pesquisa tecnológica será subsidiada com a nova política industrial?

A OMC (Organização Mundial do Comércio) aceita subsídios para três coisas: proteger o meio ambiente, para o desenvolvimento local e para pesquisa e desenvolvimento. Todos os países fazem política industrial em cima da política de inovação. Nesse plano, a nova política brasileira também é (de subsídio). Se compararmos o Brasil com países emergentes, estamos relativamente piores em inovação. Com os da América Latina e Caribe, relativamente melhores. O coração dessa política industrial é o investimento. Grande parte dos benefícios está orientada a aumentar a capacidade da indústria de bens de capital, produzir mais e melhores máquinas e baratear o custo de quem está comprando essas máquinas.

Esse é o lado palpável. E o chamado intangível?

Inovação é um tema difícil. Há esforços perceptíveis, como o investimento num laboratório, mas há outros tipos. Quando se repagina a sandália Havaianas, isso é inovação? É. Ganharam desenhos diferentes, florzinhas, em qualquer botequim se vende. Isso é inovação, não tecnológica, mas de design, de distribuição. Quando o Brasil abre um mercado num outro país, é inovação. Então, a noção de inovação fora a tecnológica é absolutamente ampla. Tanto que na pesquisa do IBGE, a Pintec, do universo de 91 mil empresas, 30% se dizem inovadoras, mas somente pouco mais de 0,5% inovam a nível mundial. São essas as que contam: as que efetivamente fazem inovação tecnológica. Os números brasileiros são baixos. A meta que estamos colocando, de subir para 0,65% do PIB os gastos com P&D (pesquisa e desenvolvimento) ainda é baixa.

O que seria razoável?

Os gastos internacionais com ciência, tecnologia e inovação sobre o PIB miram 2,5% a 3% do produto. Mas aí vai todo o tipo de gasto, público e privado. Nossa meta é mais precisa: o setor privado investindo em P&D. Aí a média internacional cai para 1,5%, 2%. Para chegarmos a isso, será necessária uma longa batalha. Nossa meta, em valores, é de R$ 18 bilhões de investimento privado em três anos. Se comparar com o orçamento do BNDES, é 10%. Então, o esforço financeiro, relativamente aos resultados potenciais, é muito baixo. A proposta é de crescer 10% a 11% ao ano.

E o BNDES financiará R$ 6 bilhões desses R$ 18 bilhões?

Um pouco menos. Se tirar a parte do Funtec (fundo de apoio à inovação tecnológica), a relação fica mais ou menos assim: dos R$ 18 bilhões de investimento privado, R$ 5 bilhões, quase um terço, podem ser financiados pelo banco. Isso, no mínimo.

Se houver demanda, há possibilidade de aumentar?

Se houver demanda, não há uma possibilidade. Há uma certeza. Inovação é prioridade. É a estrela. O banco está decididamente empenhado em apoiar o investimento em inovação e, em especial, em inovação tecnológica nas empresas brasileiras, indistintamente. Precisamos de bons projetos. Recursos não faltarão.

Já há projetos analisados sob essa nova ótica?

O Funtec terá três seleções durante o ano. A primeira ocorrerá em junho, com inscrições encerradas em 30 de maio. Temos recebido sinais dos bons institutos de pesquisa do País que vão apresentar projetos com prioridade neste ano: doenças negligenciadas, energias renováveis e redução de emissão de CO2. Isso rodará já nas novas regras. Tomamos uma decisão de que projetos que estão sendo analisados e ainda não contratados serão tratados sob as novas regras. Queremos que a inovação esteja presente em qualquer projeto de investimento.

Por que a inovação é baixa no Brasil?

A configuração da nossa estrutura produtiva é bem completa, mas tem um viés para a indústria de processo, de recursos naturais. A indústria de países como Cingapura, Coréia ou Japão tem a indústria de base também, mas tem indústria mais intensiva em pesquisa e desenvolvimento. O setor industrial pode ser classificado em mais intensivo em P&D, como a aeronáutica e farmacêutico, ou menos, como mineração e vestuário. Isso não significa que não haja inovação na mineração, mas relativamente se tem uma hierarquia. E se olharmos a estrutura da indústria brasileira, ela está mais na parte de baixo do que na de cima. Isso significa que a estrutura não induz a fazer P&D. Ainda mais com preços de commodities tais como os que temos hoje.

E como se pretende forçar a indústria a apostar nisso?

Temos uma indústria que estruturalmente não é orientada a investir em P&D para sobreviver. Ela cada vez mais tem de investir em inovação, mas não em P&D. Há uma diferença importante nisso. Estamos num momento do desenvolvimento brasileiro em que temos de nos diferenciar. O Brasil, se quiser sobreviver à concorrência chinesa, deve sair dos produtos low end (baixa qualidade) para os middle e upper end (média e mais alta qualidade). Estamos espremidos entre uma indústria italiana e uma chinesa, temos de nos mover para cima. Vamos deixar competidores ferozes e entrar na briga com competidores mais estabelecidos e com armas mais poderosas. É muito mais difícil, porque a fonte de se ganhar competição mais para cima não é na exploração da mão-de-obra barata, que é o mais fácil.

Quer dizer, não se está brigando contra a enxurrada de produtos chineses, mas por um mercado de mais qualidade?

Exatamente. Tanto que uma das cinco estratégias principais que a gente observa as empresas brasileiras seguindo é a de ampliar o acesso. De oferecer bens e serviços de melhor qualidade para a população.

Investir em produtos de mais qualidade, mesmo que voltados à exportação.

Isso. E é óbvio que o brasileiro com mais renda no bolso vai querer coisas melhores. A exigência do consumidor tende a ser mais firme. Do lado da demanda, vai-se forçando a empresa brasileira a inovar. Tivemos três épocas: uma de produzir a qualquer custo, que foi a do País fechado; depois, a de produzir com qualidade, logo posterior à abertura comercial; agora, é a de produzir com inovação. Essa é a arma da competição contemporânea. Já fizemos o aprendizado da qualidade e da produtividade. Agora, temos de fazer o de como inovar. Por isso essa orientação para a inovação. Pode ser a parte menor da política, mas é a mais nobre.

Os incentivos financeiros serão suficientes para isso?

A depreciação acelerada (incentivo fiscal concedida pelo Ministério da Fazenda) para equipamentos para centros de pesquisa e desenvolvimento é imediata. O normal é a depreciação em dez anos. O governo concedeu redução de 50% do tempo para todos. Para o setor de bens de capital e o complexo automotivo, dois anos. Para quem investe em centros de P&D, automático, ou seja, pode contabilizar como gasto corrente. Isso é um símbolo: ¿Senhores, invistam em P&D que será gasto corrente.¿ Bons projetos de inovação e inovação tecnológica terão recursos assegurados. O banco redesenhou suas políticas de inovação para adaptá-las à nova política industrial. O financiamento para pesquisa e desenvolvimento é hoje o mais nobre do banco, com taxas de 4,5% ao ano. Para inovação, para fortalecer o capital intangível das empresas, a taxa é só a TJLP, de 6,25% ao ano. Nem as obras do PAC têm tanto incentivo. Não temos a pretensão de dizer o que é inovação ou não. Queremos um bom plano de inovação fortemente associado à estratégia de negócios da empresa. Se o empresário demonstrar isso, será apoiado.

O banco está disposto a compartilhar riscos de inovação?

Temos os fundos não reembolsáveis, que são para institutos de pesquisas. Triplicamos os recursos, de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões, neste ano de 2008, para começar a conversar. O BNDES não vai financiar ciência desses institutos. Isso continuará sendo feito pela Finep e o CNPq. Nós queremos o projeto-piloto. A fase entre a pesquisa e o scaling up (ampliação da produção). São projetos de institutos de pesquisas associados a empresas, como o desenvolvimento de novas drogas, um motor que polua menos, uma fórmula para tirar mais álcool da cana-de-açúcar etc.

E o risco empresarial?

O banco duplicou sua área de mercado de capitais. Agora, além da tradicional, há a que se chama ¿capital empreendedor¿, que vai cuidar de capital de risco, de participação direta em projetos, por meio de fundos de investimentos. É uma coleção que temos de fundos e participações de risco onde o banco quer ativamente participar, desde a criação do plano de negócios até participar de uma empresa, digamos, de software, para ela comprar uma empresa no exterior. Estaremos participando do capital. Financiando uma empresa brasileira para que ela cresça no mercado nacional e no internacional. Toda empresa neste País, de software a abacaxi, tem de acompanhar o que está sendo feito lá fora e, de preferência, liderar.

O limite de financiamento para projetos de, no mínimo, R$ 1 milhão não tira do jogo as empresas menores?

O jogo é pesado. Esse limite é para crédito. Para entrar no banco, o mínimo é de R$ 1 milhão. Isso tira do jogo as menores. Mas elas podem entrar no jogo, sim, via capital de risco, pelo BNDESPar.