Título: Governo tem o pecado das MPs e a oposição, o das CPIs
Autor: Scinocca, Ana Paula
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2008, Nacional, p. A12

Para presidente do Senado, governo deve reaprender a enviar projetos para não `sumir do dicionário democrático¿

No próximo dia 12, o ex-deputado estadual, ex-prefeito de Natal, ex-governador do Rio Grande do Norte e senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), 61 anos, completa seis meses no comando do Senado. Do alto da cadeira da presidência, fez ao Estado a síntese do que julga ser hoje a combinação dos ¿pecados¿ básicos da improdutividade do Legislativo: ¿O governo tem o pecado das Medidas Provisórias e a oposição tem o pecado das CPIs. Tudo o que a oposição quer fazer na vida é uma CPI. É o sonho dourado. E tudo o que o governo quer é que não mexam com as MPs, que são o paraíso.¿

Garibaldi se diz impressionado com os ¿discursos malucos¿ de alguns colegas, que também irritam outros parlamentares, e faz um alerta sobre o excesso de confiança nos acordos prévios que prevêem, no processo sucessório interno de 2009, entregar a Câmara ao PMDB e o Senado ao PT. ¿Não sei se vão prevalecer¿, diz. Mas já adianta que é favorável ao entendimento para que as presidências das duas Casas não vivam em confronto. No caso atual, revela-se um consenso entre ele e o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), nas críticas dos dois ao excesso de MPs editadas pelo Planalto.

Ele conta que o próprio presidente da República já admitiu que alguns ministros só falam em resolver os problemas legais por meio de MPs, como se não existissem os projetos de lei e o Congresso. Sobre um terceiro mandato para Lula, Garibaldi diz que o presidente viraria um ¿semi-imperador¿.

O sr. está completando seis meses na presidência do Senado. Que avaliação faz da sua gestão?

Estou satisfeito, apesar de meu discurso ser contraditoriamente pessimista.

Por que o sr. classifica seu discurso de pessimista?

Há muito o que fazer, e se eu adotar um tom muito otimista as pessoas podem pensar que eu desisti, que já está tudo tranqüilo.

Há um acordo entre PT e PMDB para que o PT fique com a presidência do Senado e o PMDB, com a da Câmara. O PMDB, por ter a maior bancada de senadores, não deveria pleitear o comando da Casa?

Há mesmo um acordo na Câmara e isso pode trazer conseqüências para o pleito do Senado. Na Câmara já há inclusive candidato, o deputado Michel Temer (SP). Mas eu não me surpreenderei se no Senado ocorrer uma inconformação.

Mas isso poderia atrapalhar os planos de Temer na Câmara?

Pois é. Isso é o que eu escuto. Eu torço demais para o Michel (Temer) na Câmara, mas eu só posso torcer. Agora, você sabe que há praxes cumpridas e outras não cumpridas. Há uma que diz que o correto é ter um revezamento: se você pleiteia a Câmara para um partido, o outro partido ficaria com o Senado. O problema é que o outro partido (o PT) não é majoritário no Senado.

O sr. apoiaria um candidato do PT, como o senador Tião Viana (AC), à presidência do Senado?

Se fosse assim definido, apoiaria. Sou favorável ao entendimento, pois se trata da base do governo e hoje eu louvo o entendimento que tenho com o Chinaglia (presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia). É importante. Se começar um processo eleitoral de confronto entre Câmara e Senado, isso pode acarretar prejuízos sérios para as futuras gestões.

Que senador teria seu apoio?

Não posso lançar um nome, pois eu nem sei se os acordos vão prevalecer. Se falar alguma coisa, posso concorrer para quebrá-los. Mas ali nenhum presidente vai fazer milagre. Só espero que seja uma pessoa que procure o caminho da independência. Acho que o mérito da minha administração é perseguir esse caminho.

Como foi construído o entendimento entre o sr. e o deputado Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara?

Foi construído com o combate às Medidas Provisórias (MPs). Tínhamos de ter uma motivação. Ao assumir o Senado fiz ressurgir esse combate e ele (Chinaglia) também já era contrário às MPs. Eu me tornei um aliado dele.

O sr. mencionou a boa relação com Chinaglia. E a relação com o presidente Lula?

Às vezes penso que estou bem afinado e às vezes penso que não. Boatos não faltam, pessoas que chegam e me dizem: ¿Olha, você está muito bem lá com o presidente.¿ Mas aí outras falam: ¿Você não está muito bem lá, não.¿ Como tenho estado muito pouco com ele não tenho nem condições de conferir, mas espero que esteja tudo bem. Ele me trata muito bem, essa é verdade.

À época da CPI dos Bingos (2005), a famosa ¿CPI do fim do mundo¿, o sr. marchou com a oposição. Nos últimos tempos, parece afinado com o Planalto. Afinal, como é que o sr. se define politicamente?

Eu me defino como um conciliador que não faz concessões. Não venham, por exemplo, me propor conciliação com Medidas Provisórias. Não tem jogo.

Que avaliação o sr. faz das CPIs em andamento no Congresso? Por que elas têm tido tão pouco resultado prático?

Isso é excessivo. O governo tem o pecado das MPs e a oposição tem o pecado das CPIs. Tudo o que a oposição quer fazer na vida é uma CPI. É o sonho dourado. E tudo o que o governo quer é que não mexam com as Medidas Provisórias, que são um paraíso. O presidente Lula chegou a me dizer que os ministros nem mais falam em projetos de lei, uma espécie de instrumento legal em extinção.

Há uma centena de projetos de interesse da sociedade. Por que é tão difícil colocá-los em votação?

Virou rotina. A rotina do Parlamento deveria ser votar. Mas virou rotina não votar porque o governo tranca a pauta e a oposição obstrui. E o presidente do Legislativo fica numa sinuca de bico.

Como mudar? Tem saída?

Tem saída, sim. A oposição precisa reaprender a votar contra. Ela obstrui demais. E o governo precisa reaprender a enviar projetos de lei, caso contrário isso vai sumir do dicionário democrático.

O que o sr. pensa de um terceiro mandato para o presidente Lula?

Sou contra. O presidencialismo no Brasil já é imperial. Um terceiro mandato faria do presidente um semi-imperador. Acho que o próprio presidente também é contra. Tenho essa impressão, e é o que ele tem declarado.

Nesses seis meses qual foi o pedido mais esquisito que recebeu?

Primeiro preciso ver as figuras esquisitas que tem lá para lembrar dos pedidos. Acontecem coisas esquisitas, mas que são absolutamente imprevisíveis, que não são anunciadas.

Que coisas?

Eu ia dizer uma coisa, mas não posso.

Diga.

Olha, vou dizer uma coisa que todo mundo sabe, e até o presidente da República comentou comigo: é o número de vezes que o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) falou por ocasião de uma sessão de discussão no plenário. Nem sei mais o número, só sei que foi uma coisa impressionante. Ele sempre falou muito, mas na discussão da TV Pública (março passado), ele falou horrores.

Algum senador, ao discursar, tira o sono do sr., além do senador Arthur Virgílio?

Tenho medo de falar e gerar algum inimigo (risos). Os funcionários do Senado são revoltados com alguns oradores. Eles são, às vezes, responsáveis pela prorrogação da sessão até as 22 horas. E tome paciência! Funcionários perdem tudo, novela, Jornal Nacional, futebol da quarta-feira, perdem tudo para ouvir aqueles discursos malucos. Mas não é democrático cercear a palavra.

Nos últimos seis meses, algum projeto aprovado deixou o sr. constrangido? Houve algum dia marcante?

O dia ruim foi aquela noite (da discussão da TV Pública, em março passado). O confronto com a oposição foi a noite de São Bartolomeu do Senado. Foi terrível e cheguei a pensar que não ia conseguir mais controlar a situação. Foi o meu pior momento.

O sr. assumiu com a imagem do Senado arranhada, após a crise no caso Mônica-Renan Calheiros (PMDB-AL). Melhorou alguma coisa de lá para cá?

Deveria ter melhorado mais. Há processos em aperfeiçoamento, como a idéia da votação aberta, para evitar deturpações. Mas até agora isso não foi votado.Isso deveria ser prioridade.

Outro assunto é a investigação da Polícia Federal no Congresso, como a da Operação Santa Tereza, e que envolveu o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). O sr. autorizaria a PF a investigar um senador no plenário da Casa?

Uns dizem que pode, outros dizem que não pode. Acho que não deveria existir dúvida alguma. Eu tenho que cumprir a determinação do Poder Judiciário. Até porque é um Poder como o nosso e podemos ter um diálogo compatível. Se houver alguma exorbitância, nós podemos recorrer até ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A morte do senador Jefferson Péres (PDT) levou muitos senadores a fazer check-up. O sr. foi um deles. Está tudo bem com a sua saúde?

Fui um deles. Mas está tudo bem com a minha saúde.