Título: VarigLog tinha contrato paralelo
Autor: Barbosa, Mariana; Grinbaum, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2008, Economia, p. B4

Pelo contrato, fundo americano podia comprar parte dos brasileiros

Um documento que estava guardado nas gavetas dos sócios da VarigLog está ajudando a reabrir uma discussão sobre quem é o verdadeiro dono da empresa. Trata-se de um contrato conhecido como ¿put and call¿, que dava direito aos sócios estrangeiros de comprar, a qualquer momento, a parte dos sócios brasileiros. Hoje, os sócios brasileiros se recusam a cumprir o contrato e dizem que foram coagidos a assinar o documento.

Para as autoridades, a história só começou a aparecer agora. Na época em que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estava apreciando a nova estrutura societária da VarigLog, no primeiro semestre de 2006, surgiram denúncias de que o verdadeiro controlador da companhia poderia ser o fundo americano Matlin Patterson e não os sócios brasileiros.

Após um requerimento de informações apresentado pelo Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) no início de abril, a Anac resolveu então solicitar maiores informações sobre os sócios, como comprovação da origem de capital e capacidade financeira dos sócios brasileiros.

A agência solicitou também os contratos dos empréstimos, para saber se não havia nenhuma cláusula que pudesse abrir brecha para a transferência do controle para os estrangeiros. Como foi revelado pela ex-diretora da Anac, Denise Abreu, em entrevista ao Estado, a exigência de documentação com a comprovação de origem de capital e a declaração de imposto de renda dos sócios brasileiros foi dispensada por um parecer da Procuradoria-Geral da Anac. O parecer foi emitido na noite do dia 23 de junho de 2006, abrindo caminho para a aprovação do negócio pela diretoria da agência, às 23 horas da mesma noite.

Com relação aos contratos dos empréstimos, um parecer da Superintendência de Serviços Aéreos da Anac de 22 de junho de 2006, revela que eles foram apresentados, juntamente com uma declaração garantindo que ¿não há nenhum acordo de acionistas, ¿side letter¿ ou qualquer outro instrumento assinado entre os sócios que implique a transferência de poder de voto das ações de titularidade dos brasileiros natos para a empresa acionista estrangeira.¿

CONTRATO

A briga judicial entre os sócios brasileiros e estrangeiros da VarigLog trouxe à tona a existência de um contrato que, se exercido, mudaria a composição acionária da empresa. O contrato deu ao fundo Matlin o direito comprar as ações dos brasileiros a qualquer momento ou a obrigação de adquiri-las caso os brasileiros desejassem vendê-las. O contrato estabelece uma indenização para cada um dos sócios de US$ 200 mil no caso de justa causa, ou US$ 400 mil sem motivo justificado.

O contrato de ¿put and call¿ está suspenso liminarmente por uma ação dos sócios brasileiros. Em novembro de 2007, no mesmo dia em que os sócios brasileiros conseguiram suspender o contrato no Fórum de Pinheiros, em São Paulo, com o argumento de que teriam sido coagidos a assiná-lo, os estrangeiros tentaram exercer o contrato na 40ª Vara Cível da capital.

A alternativa para o Matlin exercer o contrato sem bater de frente com a lei brasileira que proíbe estrangeiros de serem donos de empresas aéreas nacionais seria transferir o controle para outros brasileiros. Segundo o sócio brasileiro da VarigLog, Marco Audi, a Volo Logistics LLC, subsidiária do fundo Matlin, tentou exercer o contrato substituindo os três brasileiros por uma empresa chamada Voloex.

A Voloex tem sede na rua Padre João Manoel, no mesmo prédio do escritório de advocacia de Roberto Teixeira. A irmã de Lap Chan, que é nascida no Brasil, aparece como única sócia da empresa, mas cerca de duas semanas depois transferiu a companhia para a Volo Logistics. Caso o fundo tivesse conseguido exercer esse acordo, o fundo Matlin, por meio da Volo Logistics, passaria a deter 100% do controle da VarigLog.

SOCIEDADE

Apesar da estrutura societária da VarigLog atender formalmente aos limites estabelecidos pelo Código Brasileiro da Aeronáutica, por se tratar de uma operação alavancada com empréstimos do próprio fundo estrangeiro, o aporte feito pelos sócios estrangeiros correspondeu a 94% dos recursos totais (R$ 109 milhões) da companhia.

O três sócios brasileiros entraram com apenas R$ 2,199 milhões (US$ 1 milhão à época) cada - e ficaram com 80% do capital votante. O fundo Matlin, por meio da Volo Logistics, entrou com R$ 26,4 milhões e mais o empréstimo de R$ 76,9 milhões para a VarigLog - financiamento que tem como garantia ações da empresa.

BRIGA

A briga entre os brasileiros e estrangeiros também dá a dimensão de quem manda ou tenta mandar na empresa. Depois que a VarigLog vendeu a Varig para a Gol por US$ 320 milhões - poucos meses depois de ter arrematado a empresa em leilão judicial por US$ 24 milhões -, os sócios começaram a brigar. Pelo entendimento de Lap Chan, o dinheiro da venda deveria ser destinado a pagar os empréstimos feitos pelo Matlin. Já Marco Audi entende que os empréstimos vencem apenas em 2011 e que o dinheiro deveria ficar na VarigLog,

Hoje a VarigLog está sob administração judicial. Os brasileiros, acusados de má gestão e desvio de recursos, foram afastados judicialmente do controle da companhia no dia 1º de abril. O juiz José Paulo Magano, auxiliar da 17ª Vara Cível de São Paulo, estabeleceu prazo de 60 dias para os americanos encontrarem novos sócios brasileiros e regularizar a situação junto à Anac, o que não aconteceu. Na quinta-feira, a Anac deu mais 30 dias para o fundo, apesar de, dias antes, o juiz ter negado a extensão do prazo.

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