Título: Exageros à parte
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2008, Nacional, p. A6

No jogo político do perde e ganha conta mais a aparência do que a essência e, neste aspecto, o governo está correto em comemorar o resultado da ida da ministra Dilma Rousseff ao Senado, para atender aos reclamos da oposição por esclarecimentos sobre o dossiê FHC.

Pelas regras, feitas não necessariamente para favorecer o lado da razão, o saldo foi positivo.

Agora, daí a conferir ao episódio dimensão de espetáculo do crescimento de uma candidatura presidencial, como fez o senador Romero Jucá, ou a dizer, como disse o presidente Luiz Inácio da Silva, que o desempenho da ministra foi ¿motivo de orgulho¿, vai uma distância abissal.

Reconheça-se, Lula e Jucá não foram os únicos a incorrer em exageros no reparte de erros e acertos entre os participantes da função.

Nessa divisão faltou, sobretudo, fazer justiça aos verdadeiros responsáveis pelo placar final de perdas e ganhos. Teve gente que ficou com o quinhão alheio.

Por exemplo, a base governista acertou mais do que Dilma Rousseff, que só não fez jus aos temores dos companheiros porque a oposição foi irretocavelmente incompetente.

Inclusive sabendo disfarçar essa inépcia por trás da desastrosa participação especial do senador José Agripino Maia.

Faltou bom senso a Agripino, mas faltou principalmente experiência de militância na esquerda para saber que referências ao regime militar, principalmente se diretas a vítimas de sua face mais atroz, não falam ao cérebro, mas às vísceras.

É tema proibido mesmo quando aplicado a raciocínios de lógica comparativa, como pretendeu o senador, ao acreditar que havia encontrado o argumento perfeito para levar Dilma a se comprometer com a verdade sobre o dossiê.

Tirou a ministra da defensiva que se anunciava balbuciante e fez aflorar, na espontaneidade, o ser de nervos no lugar do personagem de aço.

Ela ganhou segurança e angariou simpatia, mas nada que pudesse por si segurar as mais de sete horas seguintes de depoimento se a oposição não tivesse feito tão mal a sua parte e a situação não tivesse exercitado tão bem a arte de interditar um debate sem criar atritos.

Depois do ato inicial, Dilma não inovou, limitou-se ao que sabia fazer: repetir a mesma ladainha cheia de incoerências e inconsistências sobre o dossiê e desfiar de cor e salteado todos os detalhes do PAC, citando dados a respeito dos quais não havia na platéia instrumental nem disposição para contraditar.

Competente mesmo foi a base governista. Não se aferrou a picuinhas regimentais, em momento algum tentou impedir a abordagem do dossiê, limitou a participação de sua tropa mais primitiva à ridícula tentativa do suplente Wellington Salgado de presentear a ministra com ouro e mirra na forma de um colar e ocupou espaço com o tema que lhe cabia, o PAC.

Os senadores aliados sim, deram um show. De categoria e habilidade política.

Já os oposicionistas restringiram-se a dar uma grande sorte de poder contar com Agripino Maia como bode expiatório de suas responsabilidades. Puderam aparecer no noticiário como vítimas de um ¿gol contra¿ que teria abalado o moral do time.

Por alguns minutos seria aceitável a tese do abatimento, mas por mais de sete horas? Ora, se nem sobre Dilma a ¿pisada¿ de Agripino teve efeito tão prolongado, por que haveria a oposição de se deixar debilitar ao ponto da obtusidade mental?

Os oposicionistas chamaram a ministra para falar do dossiê, tiveram um trabalhão para driblar a maioria na CPI dos Cartões, aprovando a convocação na Comissão de Infra-Estrutura e, na hora do vamos ver, viu-se coisa alguma.

A maior parte dos senadores de oposição ficou na agenda do PAC, talvez fazendo pose para os respectivos eleitorados do outro lado das câmeras da TV Senado, a fim de demonstrar interesse em assuntos ¿do povo¿ e menosprezar pautas tidas como atinentes à luta dos políticos.

Os poucos que se ativeram ao que haviam dito ao País que estariam ali para fazer foram pífios. Não é dizer que não se prepararam.

Simplesmente abstiveram-se de trabalhar. Não fizeram uso de pesquisas, não cotejaram informações já divulgadas, não tentaram apurar a existência de algum fato novo na investigação da Polícia Federal para surpreender nem fizeram um mero exercício de memória para explorar as imensas veias abertas nas diversas versões oficiais sobre o dossiê.

Isso tanto nas perguntas quanto nas réplicas às respostas da ministra, todas previsíveis, repetitivas e passíveis de contestação mediante um pequeno esforço de raciocínio.

Descontada a hipótese do baque emocional coletivo, restam quatro possibilidades para explicar a atitude de suas excelências: soberba, pois esperavam que Dilma tropeçasse nas próprias pernas; cálculo político-eleitoral de não criar atrito com um governo popular; medo de levar um contravapor da ríspida assertividade da ministra; ou então já estão fartos dessa história de dossiê e esperam que o governo lhes faça o favor de dizer onde fica a saída.

-------------------------------------------------------------------------------- a