Título: Pacotinho para a Amazônia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2008, Notas e Informações, p. A3

O governo levou quase cinco anos para lançar o Plano Amazônia Sustentável (PAS), mas acabou apresentando apenas um pacote de idéias genéricas, obras já previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e uma promessa de crédito para reflorestamento e recuperação de áreas degradadas. Mesmo sem novidade importante para oferecer, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não desistiu de um longo discurso, em cerimônia no Palácio do Planalto, na quinta-feira. Eliminado o palavrório vazio, pouco sobra de seu pronunciamento: é preciso combinar desenvolvimento e preservação ambiental, criar oportunidades para os habitantes da região e aprender muito mais sobre a realidade amazônica. Segundo Lula, não é preciso mais fazer bravata - a expressão é dele - com a declaração ¿a Amazônia é nossa¿. Pergunta inevitável: por que lançar esse arremedo de plano exatamente neste momento? Talvez porque o governo tenha de afirmar sua presença na região, pelo menos por meio de palavras, quando seus critérios de ocupação e sua política de segurança territorial são postos em dúvida.

O PAS, tal como apresentado pelo presidente da República, nada ou quase nada acrescenta a propostas anteriores de integração da Amazônia no espaço econômico nacional. Como informou reportagem do Estado, na edição de sexta-feira, 19 das 24 páginas de um folheto distribuído na solenidade contêm dados sobre obras do PAC, lançado no começo de 2007: portos, hidrovias, ferrovias, centrais elétricas e projetos de saneamento. As maiores obras projetadas para a Amazônia, as hidrelétricas do Rio Madeira, foram concebidas antes do PAC e ocasionaram divergências graves dentro da administração federal por causa da oposição do Ministério do Meio Ambiente.

Noutro folheto, o governo expõe ações de combate ao desmatamento vinculadas à Operação Arco Verde. Nem esse nome é inteiramente original. Na primeira versão do PAS, um documento apresentado em abril de 2004, menciona-se uma área de exploração agropecuária denominada ¿Arco do Fogo¿ ou ¿do Desmatamento¿ ou ¿das Terras Degradadas¿.

Além de obras do PAC, o PAS inclui, como também mostrou a reportagem, várias medidas já em vigor, como o recadastramento de terras nos 36 municípios com maiores taxas de desmatamento, embargo de propriedades com áreas desmatadas ilegalmente e critérios mais severos para concessão de créditos à atividade agropecuária, especialmente pelos bancos oficiais.

Como outros planos apresentados pelo governo do presidente Lula, também esse é vago quanto aos detalhes operacionais e financeiros. Os documentos não mencionam o dinheiro necessário para a execução das políticas - nem mesmo para os créditos destinados a reflorestamento e recuperação de áreas degradadas. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, teve de enfrentar uma pergunta sobre o assunto e mencionou, vagamente, uma cifra de R$ 1 bilhão para os créditos.

As medidas anunciadas pelo presidente não passam de um arremedo de planejamento, mas ficarão subordinadas a um Conselho Gestor, chefiado pelo ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Além disso, o presidente Lula atribuiu à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o título de mãe do PAS. O PAC, muito mais detalhado e com recursos orçamentários definidos, também tem mãe, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e mesmo assim a sua execução continua insatisfatória. É difícil imaginar como a ministra Marina Silva e seu colega Mangabeira Unger poderão apresentar resultados pelo menos semelhantes àqueles mostrados pela chefe da Casa Civil.

A Amazônia, disse o presidente em seu discurso, é ¿nossa¿ desde quando Pedro Álvares Cabral pôs os pés em terra brasileira. Não se sabe de onde ele tirou essa idéia, mas essa tolice, mais do que pitoresca, é preocupante. A formação do território brasileiro envolveu muita ousadia e muita iniciativa - a começar pela violação do Tratado de Tordesilhas pelos bandeirantes. Para desenvolver e defender a Amazônia, o governo federal não terá de violar nenhum tratado. Só precisará de competência, determinação e realismo geopolítico, virtudes não exibidas, por exemplo, no caso da demarcação das terras indígenas em Roraima.