Título: Prisão de arrozeiro acirra clima entre índios
Autor: Gomes, Loide
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2008, Nacional, p. A12

Defensores da reserva querem tirar Quartiero; opositores fazem passeata

Ao contrário do que se esperava, a prisão do prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, líder dos arrozeiros, não serviu para amenizar os conflitos na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Durante toda a semana, os índios que exigem a expulsão dos não-índios avançaram sobre a Fazenda Tatu, ao bloquear uma estrada e impedir o trânsito de funcionários e a entrada de sementes, fertilizantes e combustível. O produtor Ivo Barilli foi obrigado a parar de trabalhar. Os índios consentiram apenas na retirada do arroz que já estava colhido.

Amanhã será a vez de os funcionários de Quartiero pararem, quando a Polícia Federal deve executar a interdição das atividades na Fazenda Depósito, determinada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sexta-feira. O prefeito foi multado em R$ 30,6 milhões por crime ambiental.

Quartiero foi informado da multa em Brasília, onde está preso desde terça-feira. Ele foi detido pela PF depois que um grupo de funcionários de sua fazenda disparou tiros contra índios que tentavam ocupar uma área, ferindo nove deles.

O recrudescimento da ação dos indígenas também é mais uma pressão sobre os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisam uma série de ações contrárias à demarcação da Raposa Serra do Sol. Para os que defendem a saída dos arrozeiros da área da Raposa Serra do Sol, simplesmente tirar Quartiero de cena não traz tranqüilidade. ¿Nós queremos ele fora da nossa terra¿, diz o tuxaua Dejacir Melkior da Silva, da aldeia Maturuca.

Já os integrantes da Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima (Sodiurr) pintaram a cara e saíram às ruas de Boa Vista com seus cocares na sexta-feira, pedindo justiça para o prefeito e a saída da PF da reserva. Dividiram o mesmo espaço com funcionários dos arrozais e empresários cujos negócios se alimentam da rizicultura. Para eles, Quartiero é uma espécie de herói da resistência à demarcação da Serra do Sol em área contínua, com a saída obrigatória de todos os não-índios da área.

Mas os arrozeiros são um capítulo recente no conflito em que Roraima mergulhou por causa da terra indígena Raposa Serra do Sol. Há 30 anos os índios brigam entre si pela demarcação em ilhas ou numa imensa faixa contínua de 1,7 milhão de hectares, como foi homologada pelo decreto do presidente Lula em 2005. Em 1977 foi fundado o Conselho Indígena de Roraima (CIR), na aldeia Maturuca, sob o estímulo de missionários católicos. A disputa pelo poder fez vários dissidentes, que fundaram outras organizações. Eles se acusam mutuamente de terem se tornado instrumento de manipulação dos arrozeiros ou dos estrangeiros e das ONGs.

O índio macuxi Sílvio da Silva, 42 anos, presidente da Sodiurr, diz que o CIR está a serviço dos estrangeiros. A seu favor, ele tem mais três entidades que reúnem, nas suas contas, 13 mil pessoas e os pastores das igrejas evangélicas. Sílvio é a favor dos arrozeiros. ¿São eles que garantem a produção e o desenvolvimento na região.¿

O CIR defende a demarcação em terra contínua. É a entidade que mais recebe dinheiro oficial. Só da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foram R$ 10 milhões para cuidar da saúde básica dos índios em 2008.

Seu coordenador é o macuxi Dionito Souza, de 40 anos. Ele diz que os parentes foram ¿envenenados¿ contra a luta pelo direito territorial de seu povo pelos garimpeiros e depois pelos arrozeiros. ¿Os invasores são responsáveis por todo esse problema. Foram os garimpeiros, os arrozeiros e as religiões que dividiram os índios. Antes éramos todos católicos, mas não tenho raiva dos parentes.¿

Dionito acredita na vitória no Supremo, mas teme que uma decisão desfavorável seja o estopim de uma guerra. ¿Nós não vamos aceitar a redução da Raposa Serra do Sol. Se isso acontecer vamos lutar onde for preciso, no STF, na ONU, mas não aceitaremos esse retrocesso no direito territorial já conquistado, como a terra demarcada e homologada¿, avisa.