Título: Ficou mais difícil conter a inflação
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2008, Economia, p. B2

Nos últimos cinco anos, o controle da inflação foi facilitado pela queda forte e contínua da cotação do dólar no mercado interno, o que permitiu a importação de mercadorias mais baratas. A cotação do dólar, que quase chegou aos R$ 4 ao final de 2002, atingiu R$ 1,65 no dia 2 deste mês. Por essa razão, o trabalho do Banco Central (BC) ficou mais fácil durante esse período. A situação agora é bem diferente. O BC não pode mais contar com essa ajuda.

A avaliação da área técnica do governo é que a cotação do dólar atingiu o seu ¿piso¿. Se ela cair mais, argumentam os técnicos, afetará de forma perigosa as contas externas do País. O real ainda mais valorizado tornará as exportações brasileiras menos competitivas e as importações mais atraentes, o que reduzirá o superávit comercial.

De janeiro a abril deste ano, o superávit da balança comercial brasileira (exportações menos importações) alcançou US$ 4,58 bilhões, o que representou uma queda de 64,5% em relação ao registrado no mesmo período do ano passado, segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

A conta que melhor expressa a situação externa de um país é a de transações correntes. Ela é o resultado da balança comercial, da balança de serviços e rendas (que registra o pagamento de juros, as remessas de lucros, entre outros itens) e as transferências unilaterais (aquelas remessas de pessoas físicas para o exterior ou recebimentos).

Nos três primeiros meses deste ano, a conta de transações correntes do Brasil registrou um déficit de US$ 10,757 bilhões, um recorde para o período. Para se ter uma idéia do que isso significa, a previsão do BC para todo o ano era de um déficit de apenas US$ 12 bilhões. As contas externas brasileiras estão se deteriorando numa rapidez maior do que se previa no final do ano passado.

Com a queda das exportações e do superávit, as expectativas do mercado em torno de uma piora das contas externas deveriam elevar a cotação do dólar e desvalorizar o real, com impacto negativo sobre a inflação interna. Essa seria a reação natural do mercado se o sistema de câmbio flutuante funcionasse de forma perfeita, no curto prazo.

O problema é que o efeito da deterioração das contas externas brasileiras sobre o câmbio poderá ser mais do que compensado pelo ingresso de capitais estrangeiros no Brasil. Esse ingresso certamente será estimulado pelo recente ciclo de elevação da taxa de juro iniciado pelo Banco Central e pela promoção do Brasil ao grau de investimento pela agência Standard & Poor¿s.

Todos no governo temem uma possível ¿enxurrada¿ de dólares no Brasil. Se ela realmente ocorrer, o piso para a cotação do dólar será apenas um desejo das autoridades. Para sustentar o piso, o governo teria que comprar muito mais dólares no mercado interno do que vem fazendo.

Mas o Banco Central não pode ter esse papel, se a intenção for manter o sistema de câmbio flutuante, como parece ser. O BC trabalha com uma meta de inflação e não uma meta para a taxa de câmbio. No atual quadro institucional, seria um anátema que a autoridade monetária lutasse para sustentar um patamar para a cotação do dólar.

Nada impede, no entanto, que o Tesouro Nacional desempenhe o papel. É neste contexto que se dá a discussão dentro do governo sobre a criação de um fundo soberano brasileiro. A idéia é que o fundo, administrado pelo Tesouro, seja constituído por dólares comprados no mercado interno. Com as compras, o Tesouro ajudará a sustentar o piso da cotação, indispensável para evitar a deterioração mais grave das contas externas.

A questão é saber como serão feitas as compras de divisas que alimentarão o fundo soberano. Se para comprar os dólares o Tesouro utilizar a sua receita tributária, a decisão implicará elevação do superávit primário. Se o caminho for a emissão de títulos públicos no mercado para obter os recursos necessários para a aquisição dos dólares, o mecanismo resultará em elevação do endividamento, o que significará custo fiscal expressivo.

O governo quer atuar também em outra frente para evitar a deterioração das contas externas. O presidente Lula lançará hoje a sua política industrial, que prevê um forte estímulo às exportações. O problema é que o efeito desse pacote de estímulo sobre as vendas externas só ocorrerá em dois ou três anos, reconhecem os técnicos oficiais.

O cenário torna-se ainda mais preocupante por causa daquilo que parece ser o terceiro choque do petróleo - a cotação do produto ultrapassou US$ 120 o barril no mercado internacional, na semana passada, e há sinas de que a cotação poderá chegar a US$ 150 o barril até o fim deste ano. O choque do petróleo coloca mais lenha na fogueira da inflação, que estava sendo fomentada pela elevação dos preços dos alimentos e dos insumos metálicos, como o aço.

Para derrubar essa inflação sem a ajuda do câmbio, o BC terá que elevar muito os juros para reduzir a demanda, o que, de novo, estimulará o ingresso de recursos no País e a queda do dólar. O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto só vê uma saída para essa armadilha: cortar a demanda do governo, com a elevação do superávit primário. Para ele, o ideal é que o superávit suba dos atuais 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) para 4,8% do PIB.