Título: Boas intenções e velhos vícios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2008, Notas e Informações, p. A3

A melhor parte da nova política industrial anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria ter sido incorporada há muito tempo à agenda oficial, como já ocorreu nas economias mais estáveis e mais competitivas. Algumas ações agora prometidas já deveriam fazer parte da rotina do País. Os itens mais importantes correspondem a uma velha pauta de reivindicações do setor privado: investimentos na educação e na infra-estrutura, redução de impostos sobre máquinas e equipamentos, eliminação de entraves burocráticos, proteção de patentes e direitos autorais, regulação eficaz de padrões sanitários e da concorrência, promoção comercial, abertura de mercados externos e apoio à inovação. O governo reconheceu a relevância dessas tarefas e isso é uma boa notícia. As propostas, no entanto, são insuficientes para a eliminação dos problemas e algumas serão dirigidas apenas a setores eleitos, como nos velhos tempos da substituição de importações.

A Política de Desenvolvimento Produtivo é o produto de uma combinação de bom senso e de velhos cacoetes. A sensatez se reflete principalmente nas chamadas ações sistêmicas, destinadas a todos os setores, sem distinção. O primeiro item do conjunto é a ampliação do orçamento do BNDES. Há duas novidades nesse ponto: a fixação de um objetivo (aplicação de até R$ 210 bilhões entre 2008 e 2010) e a prometida redução de 20% no spread médio cobrado pelo banco. Falta explicar como será possível fazer essa redução.

No campo tributário, duas das medidas mais importantes não encerram novidade essencial. Será prorrogado por dois anos, até 2010, o prazo para depreciação acelerada de novos investimentos e, além disso, o tempo para recuperação de créditos acumulados do PIS-Pasep e da Cofins será reduzido de 24 para 12 meses. Quanto à eliminação do IOF de 0,38% nas operações de crédito do BNDES e da Finep, é uma correção parcial dos excessos cometidos na tentativa de compensar a perda da CPMF.

Algumas inovações são o reconhecimento de erros quase grotescos: o Imposto de Renda sobre despesas de promoção comercial no exterior será reduzido a zero. Será eliminada, com isso, uma barreira à exportação mantida pelo próprio governo. O empresário brasileiro não enfrenta só as barreiras protecionistas de outros países. Para sair do Brasil já é obrigado a saltar obstáculos, como impostos irracionais e complicações burocráticas.

Parte dos novos benefícios será concedida apenas a setores selecionados. A redução do custo previdenciário, por exemplo, valerá somente para exportações de empresas de informática, por se tratar, segundo a explicação oficial, de um setor com uso intenso de mão-de-obra. A escolha é arbitrária, como ocorre, quase sempre, quando se elegem previamente alguns vencedores. O custo indireto da mão-de-obra é uma desvantagem de muitos setores e o governo deveria ter buscado uma solução mais ampla.

Além disso, falta clareza às políticas setoriais incluídas no plano. Vários setores selecionados para inclusão nas novas políticas investiram muito desde os anos 90 e suas empresas têm exibido eficiência produtiva. Mas têm sido prejudicadas pelos chamados custos sistêmicos - como logística e impostos excessivos. Cabe ao governo cuidar desses entraves, mas o PAC, essencial para a ampliação e a modernização da infra-estrutura, continua emperrado. Será preciso arranjar mais competência para a execução do PAC e para a coordenação da nova política. E isso explica o ceticismo com que parte do empresariado recebeu as novas medidas. Receia-se que, como o PAC, a nova política apenas dê nova roupagem a projetos e idéias que, por falta de capacidade gerencial, o governo nunca conseguiu tirar do papel.

As empresas também têm sido prejudicadas pelo câmbio valorizado, principalmente aquelas mais dependentes de insumos nacionais. A valorização do câmbio decorre em parte da política de juros - e esta dificilmente será alterada enquanto o Executivo não assumir sua parcela de responsabilidade na política antiinflacionária. Conter o gasto corrente do setor público seria mais eficiente e mais saudável do que muitas medidas constantes do pacote.

O Brasil, disse o presidente Lula, atravessou o deserto da estagnação e está pronto para crescer. Isso pode ser verdade quanto ao setor privado. Falta o governo fazer sua parte para essas palavras serem totalmente verdadeiras.