Título: Da floresta amazônica ao centro do poder
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2008, Nacional, p. A5

Ela assumiu política do AC após morte de Chico Mendes

Tudo o que Maria Osmarina da Silva Vaz de Lima pregou na vida começou a brotar com os mitos aprendidos na infância, vivida na floresta. O substrato ideológico viria depois, mas no começo ela percebeu que não é possível viver na Amazônia sem se comportar como um ser da floresta. Aos poucos, entendeu que as lendas ouvidas no seringal Bagaço, a 70 quilômetros de Rio Branco, no início da década dos 60, ensinavam dois conceitos: um, que a natureza é generosa; outro, que ela tem limites que devem ser respeitados.

Por exemplo: ninguém pescava mais peixe do que conseguiria comer - se o fizesse, a mãe d¿água virava a canoa; nem caçava mais do que precisasse - ou os vultos da floresta trariam panema (azar). Em sua infância, as lendas narradas pela avó moldaram sua consciência amazônica. Desde a primeira infância, brincava com representações lúdicas de coisas da floresta, moldados pelo tio mateiro - minúsculas faquinhas de talhar seringueira, pequenos baldes de colher seringa, e, costuradas pela avó, 12 bonecas de pano que simulavam seres do mato.

Quando tinha 14 anos, não sabia mais que ver horas e praticar as quatro operações matemáticas. Aos 16, pouco após a morte da mãe, uma hepatite quase a levou. Para estudar tardiamente, tornou-se empregada doméstica em Rio Branco. Aos 17, a caminho de ser freira, conheceu Chico Mendes e Clodovil Boff. A superiora a advertiu: ¿Cuidado, são comunistas¿. Marina não sabia o que era isso. Um dia, na missa, viu o cartaz: ¿Curso de lideranças rurais¿. Pensou consigo: ¿É agora que vou descobrir o que é esse tal de comunismo¿.

Hoje não é nem católica nem comunista, mas cristã evangélica. Sua ideologia, diz, trafega livre entre a idéia de fazer bem ao corpo e à alma - algo como ser humanista e espiritualista. Venceu o analfabetismo com dois supletivos e, pouco depois, escapou de uma nova hepatite. Formou-se em Teologia da Libertação e cursou História.

Ignorou a advertência da superiora e se tornou a pessoa mais próxima a Chico Mendes. Com ele, fundou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Acre, ele de presidente, ela de vice. Em 1986 concorreram juntos, ela para deputada federal e ele, para deputado estadual. Perderam. Quando Chico foi assassinado, em 1988, Marina assumiu a CUT e a política do Acre. Nunca foi ameaçada: ¿Um corpo tão frágil¿, diz, ¿não assusta ninguém¿.

Daí por diante a carreira política foi desabalada: vereadora mais votada de Rio Branco, deputada estadual mais votada do Acre e senadora. Entre uma campanha e outra, descobriu que desde a infância tinha o organismo contaminado por metais pesados, por conta de beber água dos rios de garimpo.

Na esteira do mito de Chico Mendes, se tornou um símbolo mundial, mas perdeu muitos entreveros que enfrentou como política. No ministério, perdeu a luta contra os transgênicos, contra a usina nuclear de Angra 3 e não conseguiu aprovar uma Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) mais ambientalista. Mas ganhou na legislação para concessão e gestão florestal.

É suave e terna, mas dona de uma energia inflamada quando fala sobre a relação do homem com a natureza. Mesmo depois de ministra, confessa que tem uma grande dificuldade de orientação nas grandes cidades. Como contrapartida, jura que pode ser deixada em qualquer parte da floresta amazônica que acaba encontrando o caminho de volta para casa.