Título: Brasil perde liderança de agência de patentes
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2008, Vida&, p. A17

Posto impulsionaria política de acesso a medicamentos

Por apenas um voto de diferença, o Brasil perdeu a eleição para o comando da organização máxima de patentes no mundo. Com o apoio dos Estados Unidos, o australiano Francis Gurry derrotou o brasileiro José Graça Aranha por 42 votos a 41. Gurry também recebeu votos de delegações africanas, o que levantou suspeitas de pressão por parte das nações desenvolvidas.

A entidade internacional, com um orçamento de mais de R$ 1,2 bilhão por ano e responsável por ditar as regras de patentes no mundo, é considerada pela diplomacia brasileira como estratégica no debate sobre bens públicos e acesso a medicamentos, no qual o País tem assumido uma posição de destaque (mais informações nesta página).

Com o desfecho de ontem, o Brasil soma mais uma derrota. Desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o País não conseguiu eleger nenhum brasileiro para postos chaves das Nações Unidas, exceto a presidência da Convenção da Pesca do Atum no Atlântico Sul.

A agência de patentes - conhecida como Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) - está em crise por causa dos escândalos de corrupção envolvendo seu atual diretor, o sudanês Kamal Idris. Além disso, protestos dos países emergentes são cada vez mais freqüentes contra o atual sistema de patentes no mundo.

A candidatura brasileira tinha como objetivo tentar dar um novo perfil à entidade e demonstrar que o sistema de patentes não precisa ser, necessariamente, um custo a inviabilizar programas das nações mais pobres, mas um vetor de desenvolvimento. No total, 15 candidatos se apresentaram ao posto. O Brasil conseguiu convencer os governos do México de e Honduras a abandonar a corrida ontem. No final, apenas três candidatos apareciam com chances de vencer. Mas, misteriosamente, parte dos votos dos países em desenvolvimento acabou indo para o australiano.

RADICAL

O Brasil é visto pela diplomacia americana como radical nos debates sobre patentes e a idéia de um brasileiro na organização não era totalmente aprovada por Washington. A Casa Branca não economizou esforços para colocar na entidade seu aliado.

O resultado da votação logo levantou dúvidas sobre a motivação dos países. Um embaixador centro-americano garantiu que viu a delegação americana pressionar um país africano antes da votação. Um embaixador africano deixou claro que governos dos países ricos estavam oferecendo pacotes de cooperação técnica em troca de votos.

O governo americano teria, também, enviado cartas a vários países deixando claro que estava pedindo votos a Gurry.

COMEMORAÇÃO PRECOCE

Antes da fase final de votações, a diplomacia brasileira já alardeava que o resultado mostrava o prestígio do Brasil na questão de patentes.

Ao saber do resultado, mudaram de discurso. "Não foi uma derrota. Nos consolidamos como liderança na questão de patentes", afirmou Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

FRACASSOS EM SÉRIE

A derrota de Graça Aranha foi mais uma na lista do Itamaraty. O Brasil lançou candidatos para os postos de diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), da União Internacional de Telecomunicações , para o Banco Interamericano de Desenvolvimento e para o Conselho Executivo da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mas foi derrotado em todas as eleições.

A votação ainda demonstra que o debate sobre patentes continua dividindo a comunidade internacional. Há pelo menos seis anos o enfrentamento entre emergentes e ricos sobre a proteção de patentes está causando uma guerra diplomática, principalmente depois da iniciativa do Brasil de quebrar patentes de remédios.

Para o embaixador do Brasil em Genebra, Clodoaldo Hugueney, o novo diretor não tem outra opção senão escutar os países em desenvolvimento. "O novo diretor terá de unir a organização", avaliou. "Espero que a vitória de Gurry não seja a continuação da divisão", afirmou Graça Aranha. Gurry prometeu trabalhar ao lado dos países em desenvolvimento.