Título: Sai o fundo soberano. E Mantega fala em conter valorização do real
Autor: Veríssimo, Renata; Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2008, Economia, p. B1

Metas incluem apoiar projetos de empresas brasileiras no exterior e formar poupança para momentos de crise

Sem elevar formalmente a meta de superávit primário (receitas menos despesas, sem considerar o pagamento de juros) das contas do setor público, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou ontem a criação do Fundo Soberano do Brasil (FSB). Os objetivos são múltiplos: impedir uma queda maior do dólar, ajudar no combate à inflação, apoiar projetos ¿estratégicos¿ de empresas brasileiras no exterior e formar uma poupança para momentos de crise.

Contrariando a expectativa do mercado, Mantega não anunciou oficialmente um aumento da meta de superávit primário para este ano, que é de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas informou que o novo mecanismo será formado com duas fontes de recursos: o excedente fiscal (a parcela da receita que superar a meta de superávit primário) e a emissão de títulos do Tesouro Nacional nos mercados para a compra de dólares que serão utilizados nos investimentos do fundo.

Na prática, a primeira ¿perna¿ depende de uma economia maior de recursos. ¿Praticamente dá na mesma. Só não dá na mesma porque vai ser o fundo que vai mobilizar esses ativos¿, disse o ministro.

Mantega não detalhou, entretanto, em que períodos a sobra do superávit primário será incluída no fundo e também não explicou se o excedente será do superávit de todo setor público ou só da parcela do Governo Central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência).

O ministro também não soube informar qual será o montante dos recursos do fundo. Ele citou valores entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões, mas disse que isso só será fechado após a regulamentação do novo mecanismo.

Mantega comparou o fundo a um ¿cofrinho¿ que será ¿enchido¿ com o que ficar acima da economia que o governo tem de fazer depois de pagar suas despesas. ¿Com o excedente, colocamos dinheiro no fundo. É como um cofrinho. O que sobra do salário, coloca no cofrinho¿, comparou.

A ¿sobra¿ do superávit será transferida para o FSB por meio de dotação de recursos do Orçamento. A engenharia montada para isso é complicada.

ANTICÍCLICO

Mantega explicou que, para transferir para o Fundo Soberano os recursos excedentes do superávit fiscal, o governo vai criar outro fundo: o Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), que será operado por um banco federal ainda a ser escolhido entre Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Segundo Mantega, o Fundo Fiscal terá uma função ¿anticíclica¿, ou seja, a de permitir ao governo acumular poupança em períodos de crescimento econômico acelerado e arrecadação em alta. Essa reserva, disse ele, poderá, no futuro, retornar para o Orçamento da União se o País enfrentar momentos de maior dificuldade, com desaceleração econômica e queda na arrecadação de tributos.

Por meio do FFIE, o governo comprará dólares e, por conseguinte, ativos financeiros no exterior, como debêntures (títulos de dívida) do BNDES. O Fundo Soberano também poderá ser abastecido com compra direta feita pelo Tesouro Nacional de ativos financeiros no exterior.

As duas ¿pernas¿ do Fundo Soberano, segundo Mantega, vão atuar no sentido de conter a pressão de valorização do real ante o dólar. ¿O Fundo Soberano retira os dólares de dentro do País para impedir a valorização maior da moeda¿, disse.

Mantega destacou que o excedente da meta de superávit primário que abastecerá o fundo também ajudará no combate da inflação. Segundo ele, gastando menos aqui dentro, o governo reduz o aquecimento da demanda interna, um dos riscos apontados pelo Banco Central para a alta de preços. O fundo ainda terá a função de melhorar a rentabilidade financeira dos ativos públicos.

RENTABILIDADE

O ministro explicou que as reservas internacionais precisam ser aplicadas de forma conservadora, por isso, os recursos do fundo podem buscar uma rentabilidade maior. ¿Estamos falando em fazer uma aplicação um pouco mais rentável do excedente das reservas¿, disse. O fundo poderá comprar ações de empresas públicas, como Petrobrás ou Eletrobrás, ou aplicar em títulos financeiros.

O Tesouro operará o Fundo Soberano supervisionado por um conselho deliberativo, a quem caberá estabelecer a forma, o prazo e a natureza dos investimentos. O BC continuará comprando reservas numa atuação independente do fundo. O ministro informou que a proposta do fundo deverá ser enviada ao Congresso até o fim desta semana por projeto de lei ou medida provisória.

O NOVO FUNDO

O que é:

Um fundo que vai investir no exterior com objetivo de apoiar projetos considerados estratégicos pelo governo e promover a internacionalização das empresas brasileiras

Outros objetivos:

Ampliar a rentabilidade dos ativos financeiros do setor público no exterior, criar uma poupança do setor público, ajudar a conter a valorização do real (mediante compra de dólares) e suavizar os ciclos econômicos de crescimento e desaceleração econômica

Como vai funcionar:

Será criado um Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), que será abastecido com recursos de parte do excedente do superávit primário da União (valor das receitas que supera as despesas)

O FFIE é como uma reserva fiscal. Quando os recursos entram no FFIE é contabilizada uma despesa pública, que pode ser devolvida como receita orçamentária, a partir dos rendimentos do fundo

Por meio do FFIE, que comporá parte das receitas do fundo soberano, o governo comprará dólares e ativos financeiros, como debêntures (títulos de dívida) do

BNDES

O fundo soberano também poderá ser abastecido com compra direta feita pelo Tesouro Nacional de ativos financeiros no exterior

Qual o tamanho do fundo soberano:

Isso será definido na regulamentação, mas o ministro Guido Mantega citou cifras entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões

Quem vai gerenciar o fundo:

Ele será operado pela Secretaria do Tesouro Nacional e supervisionado por um conselho deliberativo, que vai estabelecer prazos e natureza dos investimentos

Quando entrará em vigor:

A proposta, segundo Mantega, deve ser enviada ao Congresso Nacional até o fim da semana.

Ainda não está definido se será projeto de lei ou medida provisória. Regulamentação posterior vai definir os detalhes operacionais do fundo

Quem já tem:

Mantega informou que o Brasil será o 36º país a dispor de um fundo soberano, ao lado, entre outros, de Chile, China, Rússia e Noruega

O que o governo não explicou:

Qual a periodicidade da transferência do excedente do superávit primário para o fundo e como será feita a coordenação entre Banco Central e Tesouro Nacional na compra de dólares