Título: Hidrelétrica na região é obra social
Autor: Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2008, Vida&, p. A25

Coordenador do Plano Amazônia Sustentável diz que é preciso desenvolver região que abriga 25 milhões de pessoas

O potencial de 77.057 megawatts de energia elétrica da Amazônia (61% de toda a capacidade do País) deve ser totalmente aproveitado em benefício da economia, do desenvolvimento sustentável e da integração social das comunidades da região, defendeu o ministro de Assuntos Estratégicos e coordenador do Plano Amazônia Sustentável (PAS), Mangabeira Unger, em entrevista ao Estado.

Até 2011, o Brasil deverá licitar mais sete grandes hidrelétricas na região Norte, com capacidade de produção de 27 mil megawatts. Duas grandes obras para a construção de usinas no Rio Madeira - Santo Antonio e Jirau, em Rondônia - já foram contratadas e devem entrar em operação a partir de 2012. Sobre a polêmica em torno de que a Amazônia é do Brasil, o ministro ressaltou: ¿A verdade dura é que nunca fizemos o bastante, nem para preservar nem para desenvolver.¿

Como o sr. avalia a possibilidade de construção e exploração de hidrelétricas na Amazônia?

Trata-se de uma questão pragmática. Não podemos abandonar o potencial hidrelétrico da Amazônia. O contrário levaria a um resultado perverso, inevitavelmente a uma maior dependência de energia térmica, muito mais prejudicial ao meio ambiente. Por isso, temos de aproveitar na região as novas tecnologias que reduzem o prejuízo ambiental. No Brasil há uma distorção quando se fala a respeito de obras na Amazônia. Nossa tendência é pensar essas obras apenas como engenharia. Onde foram construídas, tornaram-se obras sociais e palco para novas formas de desenvolvimento regional. Assim também deve ser na Amazônia. Temos de ser criativos e aproveitar as novas tecnologias para evitar os conflitos energéticos e ambientais. Insistir na condução dessas obras como sociais, para o experimentalismo em novas formas e maneiras de associar o Estado aos produtores, sobretudo aos pequenos.

Qual sua opinião sobre energia nuclear?

A hidreletricidade é a forma mais limpa de energia. Nós podemos contemplar a energia nuclear, que também pode ser energia limpa, como elemento subsidiário, estabilizador do nosso sistema energético. E, no futuro, dar lugar cada vez maior à energia baseada em biomassa. Mas a base de nosso sistema energético deve ser cada vez mais a hidreletricidade.

O sr. recebeu do presidente Lula a incumbência de tocar o Plano Amazônia Sustentável. Como fazer desenvolvimento sustentável da Amazônia e preservar o ambiente?

Há um número pequeno de brasileiros que acredita que a Amazônia deve e pode ser mantida como um parque e há um número também pequeno de brasileiros que aceita entregar a Amazônia como zona livre para as formas predatórias da produção. A grande maioria do País não quer uma coisa nem outra. Insiste na tese do desenvolvimento sustentável. Nosso problema não é a divisão, é a confusão.

E o que deve ser feito para acabar com a confusão?

São seis os eixos para resolver a questão da Amazônia. Em primeiro lugar, fazer a regularização fundiária e o zoneamento econômico e ecológico. Temos de organizar uma trajetória acelerada da posse insegura para a propriedade clara. Nesse clima de regularização fundiária, sem esperar pelo fim da obra da regularização, fazer um grande zoneamento ecológico-econômico que defina estratégias distintas para as diferentes partes da Amazônia. Na Amazônia com floresta temos de construir um regime regulatório e tributário que faça a floresta em pé valer mais do que a floresta derrubada. Em segundo lugar, é preciso dar eficácia às unidades de conservação, com meios e com gente, para fazer valer a lei. Criamos muitas unidades, mas não as instrumentalizamos. Em terceiro, dar alternativas para o produtor que trabalha na Amazônia sem floresta, organizar modelos econômicos que associem o Estado brasileiro aos produtores, sobretudo aos pequenos. Há uma tarefa física e econômica que é a integração de uma agricultura de alto valor agregado com uma pecuária intensificada. Em quarto, para a Amazônia com floresta, construir vínculos entre a floresta e a indústria. Hoje, a Zona Franca de Manaus, que ao lado da mineração no sul do Pará, é uma das duas maiores atividades econômicas da Amazônia, não tem nada a ver com a floresta. Queremos indústrias que transformem produtos florestais e que fabriquem produtos apropriados ao manejo de uma floresta tropical. Não estou criticando a Zona Franca. Ela foi salvadora da Amazônia. Mas hoje, poderia estar em qualquer lugar. Sua relação não é com a floresta. Em quinto, construir uma logística multimodal para superar o isolamento da Amazônia. Por fim, capacitar as pessoas da região. Sem gente capacitada, nenhuma das outras iniciativas vai para a frente.

Surgem, cada vez mais, opiniões de dirigentes de grandes potências - ou de jornais, que refletem a opinião pública delas - de que a Amazônia não é brasileira. Também fala-se na compra de terras da Amazônia por estrangeiros.

O problema da preservação e da defesa estão entrelaçados na Amazônia. Não há preservação sem desenvolvimento. A Amazônia não é apenas uma coleção de árvores. É também um grupo de pessoas. Mais de 25 milhões de brasileiros moram lá. Se eles não tiverem oportunidades econômicas, serão inexoravelmente levados a uma ação econômica desordenada que produzirá o desmatamento. Portanto, um ambientalismo sem projeto econômico seria um ambientalismo inconseqüente. Por outro lado, também não há solução para a defesa da Amazônia sem projeto econômico, porque sem isso não há estruturas sociais produtivas e organizadas. Uma vasta região sem estruturas produtivas e sociais organizadas é difícil de defender.

O Brasil conseguirá então defender a Amazônia brasileira?

Quem cuida da Amazônia brasileira é o Brasil. A premissa de qualquer discussão nossa com o resto do mundo a respeito da Amazônia é a reafirmação inequívoca e incondicional de nossa soberania. Mas, para defender, de fato nossa soberania na Amazônia, precisamos encontrar o caminho do desenvolvimento sustentável. A verdade dura é que nunca fizemos o bastante, nem para preservar nem para desenvolver. No capítulo da preservação, definimos as unidades de conservação na Amazônia, mas ainda não as equipamos com os meios e com os quadros necessários para fazer cumprir a lei.

Cumprir a lei quer dizer o quê?

Temos de perder o medo de falar em repressão. Atividade criminosa de desmatamento ilegítimo tem de ser reprimida. Mas não pode ser reprimida por palavras. Só pode ser reprimida por atos. Por exemplo: nós temos na Amazônia com floresta a proliferação das chamadas estradas endógenas, que são os caminhos que os madeireiros ilegais abrem na floresta. Esses caminhos, em geral, não são visíveis por satélite. Para responder a essa ameaça, nós precisamos ter gente na base, que faça cumprir a lei, que impeça a abertura dessas estradas.