Título: Projeto de nova CPMF considera até juro como gasto em saúde
Autor: Gobetti, Sérgio; Madueño, Denise
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2008, Nacional, p. A4

Proposta, que recria imposto do cheque, mascara descumprimento do limite de despesa no setor

O projeto do governo que ressuscita a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF)permite que os Estados incluam juros de dívidas como despesas de saúde e transfere para 2011 o prazo para que governadores cumpram a meta de investir 12% da receita no setor. O projeto, do jeito que está, reabre os prazos de enquadramento e mascara o descumprimento do limite mínimo de gasto em ¿ações e serviços públicos de saúde¿ por parte de Estados e municípios.

Em troca do apoio velado dos governadores ao novo imposto sobre as movimentações financeiras - agora com o nome de Contribuição Social para a Saúde (CSS) -, o relator do substitutivo da Câmara, deputado Pepe Vargas (PT-RS), acatou uma emenda que permite a inclusão de despesas financeiras no piso constitucional da saúde. Essa medida nunca tinha sido aceita, desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 29, em 2000.

Desde 2004, os Estados estão obrigados constitucionalmente a aplicar 12% de suas receitas na área de saúde e só podem considerar nesse cálculo os gastos com custeio dos serviços, investimentos típicos de saúde pública e o pagamento de funcionários que trabalham no setor.

Apesar disso, muitos governadores têm inflado suas declarações por meio de manobras contábeis aceitas nos tribunais de contas, como a inclusão, no piso, de programas de combate à fome e investimentos realizados por meio das empresas estaduais de saneamento.

BRECHAS

Numa tentativa de fechar essas brechas, o projeto de regulamentação da Emenda 29 descreve no artigo 3º exatamente quais tipos de despesas podem ser consideradas efetivamente como ¿ações e serviços públicos de saúde¿.

Ao mesmo tempo, porém, o relator abriu uma janela no artigo 41, ao permitir que os governadores incluam no piso de 12% os gastos ¿referentes à amortização e aos respectivos encargos financeiros decorrentes de operações de crédito contratadas a partir de 1º de janeiro de 2000, visando ao financiamento de ações e serviços públicos de saúde¿.

Ou seja, em vez de considerar no piso o gasto efetivo com a compra de um equipamento médico ou a construção de um hospital financiado pelo Banco Mundial, o projeto do governo inclui no cálculo as despesas com o pagamento desse empréstimo, infladas com juros. O pior disso é que a autorização retroagiu a 2000, permitindo que muitos investimentos já realizados no passado (e incluídos no cálculo do piso) sejam novamente contabilizados no limite mínimo agora que os empréstimos começam a ser pagos. Ou seja, uma dupla contagem.

Além de mascarar o descumprimento do piso, o projeto também está adiando para até 2011 o prazo de enquadramento dos Estados e municípios ao piso constitucional. Originalmente, a emenda previa que até 2004 os governadores deveriam estar gastando 12% de suas receitas e os prefeitos, 15%, mas muitos não atingiram a meta.

Oficialmente, apenas quatro Estados admitem que descumprem o limite de gasto com a saúde (Maranhão, Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Sul) nos relatórios da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas o número verdadeiro chega a 16, de acordo com os técnicos do Ministério da Saúde. O governo de Minas, por exemplo, declarou no demonstrativo da LRF que estava gastando 13,2% em 2006, mas a análise dos balanços só comprova 6,04%.

Como esse descumprimento pode suscitar até mesmo a suspensão das transferências voluntárias da União, pela LRF, os governadores começaram a articular já no Senado a reabertura dos prazos de enquadramento.

VOTOS

Ontem, os partidos da oposição na Câmara já admitiam, nos bastidores, que o governo conseguirá aprovar a proposta de criação da CSS. Para isso são necessários 257 votos. Se passar na Câmara, seguirá para votação no Senado.

O DEM já anunciou que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso o projeto vire lei. O partido questiona a possibilidade de uma contribuição como a CSS ser criada por meio de um Projeto de Lei Complementar e não por Proposta de Emenda Constitucional, como foi o caso da extinta CPMF.

Em reunião na manhã de ontem, líderes aliados ainda computavam dissidências e estimavam em torno de 270 votos a favor da proposta que cria a CSS. Alguns líderes falavam em 268 e outros em 280 votos. Os governistas pretendiam tentar aprovar o projeto, conhecido na linguagem parlamentar de substitutivo, no lugar da proposta já aprovada pelo Senado - que aumenta os repasses para a saúde, mas não prevê nova fonte de recursos para o setor.

O líder do PT, deputado Maurício Rands (PE), disse que há maioria na base para aprovar a proposta. ¿Estou tranqüilo. É claro que há defecções em todas as bancadas, mas a gente pode ter apoios isolados por influência da bancada da saúde e de governadores aliados e de oposição¿, afirmou Rands.

Um foco de resistência está nos deputados que reclamam da demora na liberação de emendas parlamentares incluídas no Orçamento da União.

De acordo com um líder da base, há informação do Ministério da Saúde de que há dificuldades na liberação de emendas até do dia 30 de junho, prazo máximo para os repasses antes das eleições municipais.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 05/06/2008 04:21