Título: Brasil cresceu mais do que podia
Autor: Tamer, Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2008, Economia, p. B16

O IBGE divulgou na terça-feira o crescimento do PIB no primeiro trimestre, de 0,7% em relação ao trimestre anterior, outubro-dezembro de 2007. O resultado anualizado é de 5,8%, mas os dados mostram leve desaceleração da economia. Não é surpresa, pois estamos seguindo o ritmo da economia mundial, com resultados até positivos, considerando a crise imobiliária-financeira nos Estados Unidos, a disparada do preço do petróleo e da inflação. Crescemos pouco menos que os EUA, 0,9%, mas crescemos bem.

INFLAÇÃO, FATOR NOVO

Não há razão, porém, para comemorar muito os 5,8% anualizados, pois refletem ainda uma fase altamente positiva de crescimento, entre o primeiro trimestre do ano passado e o deste ano; foram meses de euforia e expansão, que provavelmente não deverão se repetir este ano. E isso porque há um elemento novo que restringe o crescimento saudável: o choque da inflação, já em 6,2%. Esse desafio não existia com o mesmo peso em 2007.

Para contê-la, o Banco Central aumentou e aumentará ainda mais os juros, com o efeito colateral de desaquecer a demanda interna, que representa 60,9% do PIB, e o crescimento.Outras medidas antiinflacionárias estão sendo aplicadas neste ano, entre as quais a restrição dos prazos de crédito e do juro favorecido para as pessoas físicas; eles aumentaram 33,7% no primeiro trimestre.

Em resumo, mesmo com dissensões internas, o governo optou por um crescimento menor para não criar pressão inflacionária maior. Isso é exatamente o oposto do que fez no ano anterior, quando o ideal era que todos comprassem mais sem atentar muito para ver se havia produção para tanto consumo.

EFEITOS AINDA NÃO VIERAM

É extremamente importante ressaltar que essas medidas estão sendo postas em prática somente no segundo trimestre, para evitar previsões futuras. Os estímulos ao consumo no ano passado estão sendo retirados agora; portanto, seus efeitos não foram captados no primeiro trimestre, que viveu sob a influência expansionista do anterior.

É oportuno também lembrar que os dois primeiros meses deste ano foram atípicos; normalmente, as vendas caem após as grandes compras de fim de ano, mas isso não aconteceu em 2008. Janeiro e fevereiro foram meses de forte demanda interna. O consumidor, estimulado por maior renda e crédito mais fácil, continuou comprando. É para desaquecer essa demanda que governo está agindo, com promessa de ser ainda mais severo.

GOVERNO VAI CORTAR TAMBÉM

Outro efeito de contenção do crescimento é que o governo prometeu reduzir seus gastos, consciente, enfim, de que aí reside, em grande parte, o repique inflacionário. Vão aumentar a meta do superávit fiscal, isto é, gastar menos. No fundo, é evidente que os bilhões de reais que o governo injeta na economia, via gastos, respondem, em parte, pela inflação de 6,2%, na qual poucos queriam acreditar.

Não se sabe se vai cumprir a promessa; se não o fizer, terá pela frente, ainda neste ano, a inflação próxima de 10% ou mais. Isso é inaceitável. Os principais prejudicados serão os mais pobres, pois o aumento dos preços reduz seu poder de compra. E eles representam hoje a maioria da massa consumidora, o que, curiosamente, a Fiesp, que só reclama, ainda não entendeu.

Estamos de novo diante do doloroso dilema entre crescer menos por mais tempo com inflação menor ou crescer mais por pouco tempo com inflação maior. Os indicadores do IBGE deixam bem claro que já não estamos crescendo tanto quanto antes, mas, mesmo assim, a inflação ganha corpo e não dá nenhum sinal de acomodação. Isso indica que novas medidas devem ser tomadas. Cabe ao presidente decidir. Mas parece que ele está convencido de que nada é pior do que punir os que vivem do salário.

MAS TUDO VAI BEM

Seria uma tragédia crescer menos este ano? Não. Tragédia seria crescer mais com inflação de 10%, o que não dura muito. Felizmente, a economia brasileira vai bem, cresceu muito e pode enfrentar uma desaceleração sem grandes choques. Temos credibilidade extra no exterior, os investimentos internos e externos continuam crescendo, o emprego com carteira bate recordes, as reservas cambiais nos dão munição para enfrentar crises externas, o sistema financeiro está em excelente forma.

Nesse cenário benigno, resta administrar os efeitos negativos dos juros altos e do real valorizado. Mais ainda, a valorização das commodities agrícolas, embora agrave o problema da fome mundial, favorece as nossas exportações, colocando-nos entre os principais fornecedores mundiais de produtos agropecuários.

CRESCER MENOS, MAS BEM

O ministro Guido Mantega foi muito feliz ao afirmar que a desaceleração do PIB ¿é desejável, bem como a convergência entre produção e demanda¿. Ele insistiu que, com as medidas recentes, o governo não está derrubando a demanda. ¿É apenas uma desaceleração, é como jogar um pouco de água na fervura.¿ Em outras palavras: não estávamos preparados para crescer tanto de forma saudável, isto é, sem mais inflação.Afinal, pela primeira vez, temos um problema bom, que podemos resolver sem grande sofrimento.

*E-mail: at@attglobal.net

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