Título: Lei do Colarinho-Branco pune, mas não com prisão
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2008, Nacional, p. A17

Estudo mostra que pena acaba revertida em multa ou serviço comunitário

Predominam em larga escala as condenações dos réus acusados pelo crime do colarinho-branco nas decisões finais - acórdãos - dos 5 Tribunais Regionais Federais (TRFs) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os registros oficiais mostram 94,4% de sentenças condenatórias impostas pelo STJ em ações que tratam daquele delito, índice que chega a 72,2% nos TRFs.

Mas o rigor aparente dos magistrados não significa prisão para os réus - a grande maioria deles acaba favorecida por um mecanismo legal que permite a troca da pena privativa de liberdade pela restrição de direitos, prestação de serviços comunitários ou pagamento de multa oscilando quase sempre entre 3 e 45 salários mínimos.

O raio X do Judiciário na aplicação da Lei do Colarinho-Branco é resultado de pesquisa inédita promovida pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Durante dois anos, Maíra Rocha Machado e Marta Rodriguez de Assis Machado, ambas professoras de Direito Penal da FGV que integram o Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena, pesquisaram 380 acórdãos dos TRFs e do STJ - de um universo de 1.298 sentenças lançadas no período de 1989 a 2005. A investigação apurou apenas 3 casos no STJ em que foi mantida a prisão dos acusados. São raríssimas as prisões: a esmagadora maioria é substituída por pena alternativa.

Colarinho-branco é como ficou conhecida vulgarmente a Lei 7.492/86, ou a Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro, criada em 1986 (governo José Sarney) diante da descoberta dos primeiros escândalos do mercado envolvendo dirigentes de bancos. A norma tipifica os crimes de evasão de divisas, ativos no exterior não declarados, gestão fraudulenta ou temerária de instituição financeira.

¿Essa conclusão sobre o elevado índice de condenações de mérito contraria o senso comum e me deixou muito surpresa¿, avalia Maíra, que repudia a tese sobre consagração da impunidade pelo fato de pouquíssimos acusados serem levados à prisão.

¿O baixíssimo número de ocorrências de custódia existe porque a legislação prevê a pena alternativa nos casos em que a punição é inferior a 4 anos e o acusado é primário. A vitória da impunidade só ocorre se prevalecer a concepção do sistema do século XIX, que elege a prisão como única pena possível no Direito Penal. Não podemos acreditar que apenas a prisão é referência de fim de impunidade¿, ressaltou. ¿Por exemplo, o Estado deve investir mais na recuperação de valores desviados. Para cidadãos que violam essa lei a privação do dinheiro é sanção muito grave¿, exemplificou.

A pesquisa não abrange decisões da primeira instância e foi dividida em 4 grupos de decisão - mérito, prosseguimento, cautelares e competência. Outra conclusão é que o Judiciário geralmente não barra investigações ou ações penais na instância inferior. No STJ, 75% das decisões dos ministros mandam prosseguir as apurações e 22% mandam trancar, por falta de justa causa e ausência da individualização de conduta.