Título: Há um objetivo claro de desgastar o PSDB
Autor: Bramatti, Daniel; Amorim, Silvia
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2008, Nacional, p. A6

Boicotado pela ala serrista do partido, tucano diz que divisão só beneficia Marta Suplicy e prega reconciliação

Em 2006, o tucano Geraldo Alckmin deixou o governo de São Paulo com uma taxa de aprovação superior a 60%. No mesmo ano, entre o eleitorado da capital paulista, venceu o petista Luiz Inácio Lula da Silva nos dois turnos das eleições presidenciais. Por conta dessas credenciais, esperava ser apontado pelo PSDB como candidato ¿natural¿ à prefeitura. Mas uma situação ¿artificial¿, de acordo com suas palavras, o deixou na incômoda posição de ter de disputar espaço no partido com um concorrente que nem tucano é - o atual prefeito Gilberto Kassab, do DEM.

Kassab foi ungido pela ala do PSDB comandada pelo governador José Serra, que tem pretensões presidenciais e quer que o DEM - um aliado natural em 2010 - continue no comando da maior cidade do País.

Alckmin, que também joga seu futuro político na atual eleição, espera provar, na convenção marcada para hoje, que a ala serrista/kassabista é minoritária.

Depois, o próximo desafio será pacificar a legenda e ampliar o respaldo interno. ¿É óbvio que o Serra vai nos apoiar¿, disse ele, na última sexta-feira, enquanto seus aliados ainda tentavam evitar o registro, na convenção, de uma chapa favorável à aliança com Kassab.

Em entrevista ao Estado, na sexta-feira, Alckmin destacou que apoiou o atual governador em todas as eleições e que espera ¿retribuição¿. Mas é outro tipo de retribuição que pode estar recebendo por ter, em outra longa e desgastante disputa interna, tirado Serra da eleição presidencial de 2006.

A seguir, trechos da entrevista:

A que o sr. atribui a articulação de parte do PSDB para apresentar uma chapa favorável a Gilberto Kassab na convenção?

Há um objetivo claro de desgastar o PSDB e o seu candidato para beneficiar o Kassab. É óbvio. Agora, isso é um equívoco, porque só ajuda o PT. Essa divisão, na verdade, é uma lasquinha, porque o sentimento do partido é pela candidatura própria.

Se o objetivo é desgastá-lo, eles conseguiram?

É óbvio que esse episódio não ajuda. Eu ando na rua e as pessoas me perguntam: `O que está acontecendo com o PSDB?¿. Elas não conseguem entender bem. Mas acho que isso passa a partir da convenção. Sinto uma enorme solidariedade da população.

Solidariedade que o sr. não sente no partido?

Não. Eu sinto. Quero destacar que a militância do PSDB vai ser a grande vencedora desse processo. Como disse o Barack Obama, em meio à campanha contra Hillary Clinton, essa disputa vai me fazer um candidato melhor. Ser testado, passar por adversidade, fortalece. Acho normal disputa eleitoral. O que não acho normal é interferência externa dentro do PSDB.

E houve?

Certamente.

De quem?

Eu prefiro passar por isso. Na convenção vamos ter, se Deus quiser, candidato próprio, e aí é tratar da campanha.

Quando foi a última vez em que o sr. conversou com o governador José Serra?

Estive com o governador no domingo, antes da ida dele ao exterior.

Ele prometeu apoio à sua campanha?

É óbvio que o Serra vai nos apoiar. Ele já declarou isso. O Serra, como eu, é fundador do PSDB. Eu apoiei o Serra em todas as suas campanhas. Na campanha para prefeito, em 2004, meu apoio foi decisivo.

O sr. espera retribuição?

Mas é óbvio que o Serra vai apoiar o candidato do seu partido. Por isso fundamos um partido.

Ele é o seu candidato à Presidência em 2010?

Eu apoiei o Serra em todas as campanhas dele e vou apoiar nas futuras, inclusive para presidente. Agora, entendo que nós devemos desvincular uma coisa da outra.

O sr. vai se apresentar como um candidato de oposição ou continuidade da atual administração municipal?

Eu não pretendo discutir o passado. E vou discutir os próximos quatro anos. Os acertos vamos melhorar, ampliar. Os erros, corrigir.

Pode dar exemplo de um acerto e de um erro?

Um acerto foi a Lei Cidade Limpa e nós vamos ampliar. Ampliar o conceito para a poluição do ar, limpeza urbana, poluição sonora. Problemas? A questão do trânsito é grave. A prioridade deve ser o transporte coletivo e de alta capacidade. Os corredores têm que permitir ultrapassagens, têm que ter semáforo inteligente controlado pelo ônibus e veículos de qualidade. Outro conceito que me parece essencial écompatibilizar moradia com emprego, estudo, lazer. Ou seja, ter pólos de desenvolvimento por toda a cidade.

O sr. falou em problemas, mas não apontou um erro da atual gestão. É constrangedor fazer isso?

Não. Também não pretendo fazer isso com a administração do PT. A quem cabe julgar é o povo. Aprendi com meu pai, que lembrava Santo Antônio de Pádua: `Quando não puder falar bem, não diga nada¿. Não vejo a atual administração como adversária. No máximo, somos concorrentes.

E os Centros Educacionais Unificados (CEUs), marca da gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT), o sr. pretende ampliar?

Acho que é um bom projeto. Mas um problema grave que ficou é o ensino infantil. Temos hoje identificada uma demanda de 150 mil crianças fora da creche ou da Emei. O meu compromisso é investir nas Emeis e creches.

Kassab diz que o sr. não terá condições de criticar a gestão dele na campanha porque o PSDB participa dela. O sr. concorda?

Se o governo é tão bom porque tem alguns secretários do PSDB, imagine um governo com o prefeito do PSDB. Será melhor ainda.

O sr. está preparado para qualquer resultado no domingo?

Claro. Democracia começa dentro de casa.

E se for derrotado?

Não vejo nenhum problema se o resultado for esse, mas eu conheço o PSDB, fui a sétima assinatura na fundação do partido. Essa disputa é absolutamente artificial.

O que quer dizer com artificial?

O sentimento do partido é claríssimo. Tanto é que a proposta de candidatura própria foi aceita por unanimidade pela Executiva Municipal.

Mas o número de assinaturas de delegados obtidas para a chapa pró-Kassab não é significativo?

Mais de 30 já retiraram suas assinaturas. As pessoas nos procuram e dizem: `Fiquem despreocupados, o voto é secreto¿.

A que o sr. atribui essas desistências?

À forma como essas assinaturas foram recolhidas. É evidente que as pessoas não ficaram à vontade.

Conseguirá ter o partido unido na sua campanha?

Sim, e todos os vereadores podem contar comigo na campanha. Vou apoiar todos eles.

E os tucanos que estão no governo municipal?

Não posso falar pelas pessoas, mas também não estou preocupado com isso.

O secretário Walter Feldman já disse que não vai participar de campanha, seja do PSDB ou DEM.

Olha, então não precisa ter partido. Para que ter partido se as pessoas não respeitam as decisões partidárias? Não penso dessa forma.

Apesar de todo o embate, será possível uma composição DEM-PSDB no segundo turno, seja qual for o candidato?

Claro. Entenda uma coisa: é natural que os partidos queiram ter candidato próprio. Para isso existe o segundo turno.

Qual sua posição em relação a aborto, pena de morte e casamento gay?

Sou contra o aborto, exceto nos casos previstos em lei. Pena de morte sou contra e casamento gay sou favorável.

Como avalia as denúncias envolvendo o governo do PSDB em São Paulo no caso Alstom?

Acho que elas devem ser investigadas. Transparência absoluta, até porque as pessoas citadas são sérias. Se qualquer coisa for confirmada, punição exemplar.

O sr. é um nome colocado para o governo estadual em 2010. Se for um desejo do partido, o sr. deixa a prefeitura para disputar o cargo?

Não. Eu já fui governador. Quero ser prefeito.