Título: Surto inflacionário atinge o mundo todo
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2008, Economia, p. B6

Segundo FMI, inflação global saiu de 3,5% em 2006 para os atuais 5,5%

Depois de ser prematuramente dada como morta nos anos 90, em suposta conseqüência da globalização e dos avanços da informática e da internet, a inflação global voltou em grande estilo, e tornou-se a principal preocupação das autoridades econômicas em todo o mundo. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação global subiu de 3,5% em 2006 para 4,8% em 2007. Recentemente, um alto dirigente do FMI disse que já está rodando a 5,5%, bem acima do nível abaixo de 4% que prevaleceu até 2006.

A alta da inflação está levando a medidas há muito tempo fora do receituário, como os congelamentos de itens alimentares recentemente anunciados no México e no Uruguai (os heterodoxos Argentina e Venezuela já vêm abusando desse expediente há mais tempo). Proibição ou limitação de exportação de produtos agrícolas também foram postos em prática por vários países.

As tendências inflacionárias são disseminadas. Reportagem de Célia Froufe, da Agência Estado, mostra que apenas Brasil, Canadá e Tailândia, entre 18 países com regimes de metas, mantêm até agora a inflação abaixo do limite superior de tolerância. No bem comportado Chile, a inflação em 12 meses foi para 8,9%, e o teto é de 4%.

Nos Estados Unidos, a principal economia do mundo, a inflação em 12 meses atingiu o elevado nível de 4,2% em maio. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) trabalha com um teto informal de 2% para uma das medidas do núcleo da inflação, que já está em 1,8%. Na zona do euro, a inflação anualizada chegou a 3,7%, nível mais alto em 16 anos, bem acima do teto de 2% do Banco Central Europeu (BCE). Nos outros Brics (Rússia, Índia e China, além do Brasil), a situação é semelhante: a Rússia acumula inflação de 15,1% em 12 meses, a China de 7,7% e a Índia de 7,8%. Um ano antes, as inflações anualizadas nesses países eram de, respectivamente, 7,8%, 3,4% e 6,7%.

A principal causa apontada para a alta global da inflação é a velocidade do crescimento mundial nos últimos anos (uma desaceleração já está prevista para 2008), especialmente nos países emergentes . Segundo os dados do FMI, o mundo cresceu 5% em 2006 e 4,9% no ano passado, bem acima da média de 3,3% de 1980 até 2007. ¿Nós provavelmente chegamos muitos próximos do crescimento do produto potencial do mundo¿, diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander no Brasil.

Um problema adicional é que uma parcela crescente dessa expansão se dá em países como a China e a Índia, que crescem em ritmos de, respectivamente, 10,6% e 8,8% (nos 12 meses até o primeiro trimestre de 2008), e têm massas gigantescas de habitantes saindo da pobreza. Essas pessoas ainda estão no nível em que o aumento da renda amplia o consumo de comida, o que ajuda a explicar por que as commodities alimentícias dispararam no mundo.

Embora normalmente a oferta de alimentos tenha capacidade de seguir a demanda num prazo relativamente curto, a velocidade estonteante da primeira aliada a fatores naturais, como anos de seca na Austrália, levaram à alta dos preços, que pode estar sendo ainda mais estimulada por movimentos especulativos em mercados futuros. Outro fator é a utilização crescente de terras para a produção de biocombustíveis, como no caso do milho americano (apontado como principal vilão) ou da cana brasileira.

Em relação ao petróleo e às commodities minerais, que também dispararam, os motivos principais são o consumo crescente de energia, na esteira da decolagem dos emergentes, e o boom global de investimentos em infra-estrutura, que está pressionando os insumos e os salários em todos os setores envolvidos. Esse boom deriva em boa parte do fato de que países emergentes crescendo velozmente têm quase tudo pela frente para construir em termos de energia, transportes, saneamento, telecomunicações, etc.

Nesse caso, porém, como observa Edward Amadeo, economista da Gávea Investimentos, a oferta definitivamente não reage no curto prazo. Como a indústria do petróleo e combustíveis e os setores de infra-estrutura são muito intensivos em capital, e têm projetos de longa maturação, a reação ao sinal dos preços altos se dá de forma muito mais gradativa. ¿Muitas decisões de investimento em petróleo ainda são tomadas com base num barril de petróleo a US$ 60¿, diz ele. O barril para entrega em julho fechou em US$ 134,62 em Nova York, sexta-feira, com alta de 2% no dia.

Para alguns economistas, porém, a alta das matérias-primas se limitaria a uma mudança de preços relativos (em relação a serviços e industrializados), se não fosse uma complacência inicial de muitos bancos centrais, que trataram a inflação global como um problema externo, e não como um problema comum de todos os países.

Além disso, a queda dos juros nos Estados Unidos, para combater a crise financeira, provocou ondas de afrouxo monetário nos países que tentam manter suas moedas fixadas ao dólar, ou limitam fortemente as flutuações. É o caso de muitas nações do Golfo Pérsico, da Ásia, e de algumas da América Latina, como Argentina e Venezuela. Para evitar a valorização, aqueles países têm de deixar os juros despencarem, o que impulsiona a inflação.