Título: Anac sabia do arranjo para driblar lei brasileira
Autor: Nogueira, Rui; Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2008, Economia, p. B4

Agência e o DAC foram avisados pelo sindicato das empresas aéreas.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) sabia, desde janeiro de 2006, cinco meses antes de aprovar a transferência do controle acionário da VarigLog para a Volo do Brasil S.A., que os acordos financeiros envolvendo o fundo de investimentos americano Matlin Patterson e os sócios brasileiros eram uma forma de ¿contornar os limites máximos de participação de estrangeiros no capital de empresa aérea brasileira¿. O alerta foi feito, em documento oficial, protocolado no Departamento de Avião Civil (DAC) e, depois, na própria Anac, pelo Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea).

O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer) diz que o capital estrangeiro não pode ter mais que 20% das empresas aéreas. O Snea deu as informações ao governo depois de, no dia 11 de janeiro de 2006, o Matlin comprar as ações da VarigLog que pertenciam ao consórcio Aero-LB - da portuguesa TAP e do fundo chinês Geocapital -, que havia comprado a VarigLog como primeiro passo para tentar salvar a Varig.

Assim que foi comunicada oficialmente a compra das ações do Aero-LB pelo Matlin Patterson, o Snea disse ao DAC que a operação havia sido concretizada por meio da Volo Logistics LCC, uma ¿sociedade criada em agosto de 2005, no Estado americano de Delaware¿, com capital integralmente pertencente aos fundos Matlin Patterson dos EUA e das Ilhas Cayman, ambos representados no Brasil pelo chinês Lap Wai Chan. A Volo do Brasil S.A foi criada dias depois, dia 25 de agosto, com a participação de Marco Antônio Audi, Marco Haftel e Luiz Gallo.

Diante do capital investido e da procedência, o Snea informou ao governo que os fundos estrangeiros detinham, à época, pelo menos 60% do capital da Volo. O Snea rastreou as remessas do dinheiro contratado no exterior, sob responsabilidade da Matlin, e disse, com base em informações do Banco Central, que a Volo Logistics LCC/Matlin remeteu ao Brasil US 34, 991 milhões ¿a título de Empréstimo Direto a residentes no País (natureza da operação 70016-85-0-95-90)¿.

Nos documentos entregues ao DAC e à Anac, o Snea ainda pergunta: ¿Em vista disso, é razoável indagar sobre o que motivou a Volo Logistics LCC a, além de remeter US$ 11,9 milhões para investimento de risco em ações da Volo do Brasil S.A., ainda conceder à mesma mútuo de R$ 34,9 milhões, senão para exercer, de forma direta ou indireta, interna ou externamente, de fato ou de direito, individualmente ou por acordo, o poder de dirigir as atividades sociais e/ou o funcionamento da empresa Volo do Brasil S.A. e, por decorrência, da concessionária VarigLog?¿.

NEGÓCIO APROVADO

Documentos entregues 23 de junho de 2006 No mesmo dia em que as empresas VarigLog e Volo do Brasil entregam os documentos à Anac, a agência se reúne e aprova o negócio. As empresas não atenderam às exigências feitas no ofício 058. O que foi respaldado com um parecer do procurador-geral da Anac, João Ilídio.

O 2º parecer do procurador Ilídio O procurador João Ilídio diz que: A declaração dos débitos para com o INSS, apresentada pela Volo, foi considerada suficiente; foi considerado desnecessário - "perfeitamente dispensada tal exigência - pedir comprovação de débitos previdenciários ao "sócio-pessoa-física Marco Antônio Audi"

Sobre o patrimônio dos acionistas, para checar a capacidade financeira de manutenção do negócio, o procurador conclui que isso só se justifica "no caso de instauração regular de processo administrativo para investigação de eventual prática de infração administrativa";

Sobre a origem do capital, o procurador diz que a Anac sabe dos empréstimos feitos nos bancos JP Morgan e Chase, dos EUA; que o "setor econômico da Superintendência de Serviços Aéreos (SSA) já concluíra pela regularidade da operação", do ponto de vista da participação de capital estrangeiro".

Sobre o requerimento de contestação do Snea, o procurador concedeu vista ao sindicato; mas ele também pediu que a diretoria da Anac analisasse, "em respeito à prudência", as reclamações do Snea

Pedido de reconsideração 3 de julho de 2006 O Snea (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias) encaminha à Anac um recurso com um pedido de reconsideração da posição da agência reguladora, que aprovou a transferência do controle acionário da VarigLog para a Volo do Brasil SA

Providência acautelatórias, com urgência 17 de agosto Munido de dois pareceres, dos juristas Marçal Justen Filho e Fábio Ulhoa Coelho, contestando a forma como a Anac havia aprovado o negócio VarigLog-Volo, o Snea encaminha à agência um pedido de "tomada de providência acautelatórias, com urgência"

O 3º parecer do procurador Ilídio 11 de dezembro de 2006 O procurador João Ilídio reconhece que: Diante do que manda fazer a Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no governo federal (que manda checar os débitos, o controle acionário, a origem do dinheiro e outras providências) ¿forçoso é concluir que a tomada de decisão foi irregular¿ em relação à transferência do controle acionário da VarigLog para a Volo do Brasil AS

Diante das alegações dos juristas do Snea e do fato de que a ¿participação do capital estrangeiro (na Volo) pode ser superior ao limite legal estabelecido no Código Brasileiro de Aeronáutica¿, é ¿poder-dever¿ da Anac ¿promover diligências¿ para apurar o controle societário da Volo do Brasil SA, ¿no sentido de que fique demonstrada a dimensão real e não meramente formal do controle¿

É legítima a reclamação do Snea;

A Anac deveria ter dado prazo para ouvir o Sena, o que ¿só veio a ser concedido na data da decisão tomada pela agência¿. O sindicato fez a reclamação formal no dia 4 de abril, mas a Anac só concedeu vista no dia 23 de junho