Título: Alta das commodities abala Doha
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/07/2008, Economia, p. B12

Estudos mostram que hoje, na prática, um eventual acordo não teria impacto no volume de subsídios distribuídos

A alta nos preços de commodities estremece a Rodada Doha e faz os países, incluindo o Brasil, repensarem o que estão dispostos a pagar por um tratado internacional de comércio. Entidades internacionais e representantes do setor privado alertaram ontem, em Genebra, que o Brasil teria ganhos mínimos e, em alguns setores, até prejuízo com a Rodada. Os custos apontam que não valeria a pena sequer tentar fechar um acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC). Estudo do Banco Mundial mostra que a Rodada geraria ganho de US$ 96 bilhões por ano à economia mundial, menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. Desse total, só US$ 16 bilhões iriam para os países emergentes, sendo US$ 1,4 bilhão para o Brasil. O setor industrial nacional ganharia US$ 300 milhões. Ainda assim, o setor privado brasileiro ficaria com quase um sexto dos ganhos de todos os emergentes. Só a Índia teria ganhos superiores.

Em 2001, quando a Rodada foi lançada, o próprio Banco Mundial estimava ganhos de US$ 832 bilhões, dos quais quase US$ 300 bilhões aos emergentes, 20 vezes mais do que os números atuais.

Roberto Azevedo, principal negociador do Brasil na OMC, admite que hoje a Rodada não tem o mesmo valor que tinha há um ano. Naquele período, com os preços baixos no setor agrícola, os subsídios americanos e europeus impediam a competitividade dos países emergentes e geravam prejuízos. Hoje, com a alta de preços, os subsídios caíram a níveis bem abaixo do que a própria OMC vai oferecer. Na prática, um eventual acordo não teria impacto no volume de subsídios distribuídos. Os americanos hoje dão cerca de US$ 7 bilhões em subsídios. Na melhor das hipóteses, um acordo vai limitar esse valor em US$ 13 bilhões. Significa que a Casa Branca poderia aumentar seus subsídios, e não reduzi-los.

Estudos da Boston University e da Tufts Univeristy nos EUA mostra que o valor seria menor que a expansão das exportações hoje no Brasil. Estima também que cada pessoa no mundo ganharia apenas um centavo de dólar por dia com o acordo.

Segundo a projeção, o Brasil ainda perderia US$ 3,1 bilhões ao ano por não poder arrecadar impostos de importação. No cálculo final, a Rodada traria prejuízos. Os países em desenvolvimento ainda perderiam US$ 63 bilhões com o corte na arrecadação de impostos de importação. O Oriente Médio e a África seriam os mais prejudicados.

Mesmo assim, o governo brasileiro não acredita que haja motivos para que a Rodada não seja fechada. "O que mudou é o preço que vamos pagar", disse o chanceler Celso Amorim.

O Brasil avalia que o acordo seria como um seguro, evitando que, no futuro, os subsídios possam subir aos níveis das últimas décadas. Pela lei, os americanos têm o direito de dar US$ 41 bilhões em subsídios por ano. O teto seria uma forma de garantir que as distorções não cheguem a níveis anteriores. Mas diplomatas apontam que Doha foi superada pela realidade internacional e não dá mais resposta aos problemas atuais.

CRÍTICAS PONTUAIS

O governo brasileiro afirma estar ciente do que vai ganhar e alerta que as críticas do setor privado são "pontuais" e limitadas a alguns atores e entidades. Nos bastidores, o Itamaraty estima que as cotas existentes sobre carne para a exportação para a União Européia são suficientes. "Já fizemos nossos cálculos", afirmou Azevedo.

Já para Pedro Camargo Netto, presidente da Associação de Produtores de Carne Suína, não há nenhum ganho no acordo que está sobre a mesa. Ele alertou o Itamaraty sobre isso em uma reunião há poucos dias.

O Itamaraty reconhece que o valor da Rodada Doha caiu nos últimos meses diante da alta nos preços internacionais de alimentos e de commodities, fator que gerou maiores ganhos ao Brasil que qualquer redução tarifária nos países ricos.

Hoje, a alta nos preços é o fator responsável por garantir o superávit na balança comercial brasileira e mesmo na expansão das metas de exportação. Em volumes, as exportações brasileiras tiveram queda de 2% entre janeiro e maio, ao contrário da tendência mundial.

Em valores, o Brasil tem sido favorecido pela alta nos preços de alimentos, minerais e outras commodities. Graças a isso, as exportações em dólares aumentaram 20%, mesmo com as tarifas e barreiras nos países ricos mantidas no mesmo nível.