Título: Arruda: mais R$ 300 mi sem licitação
Autor: Scinocca, Ana Paula
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2008, Nacional, p. A9

Kit do programa Ciência em Foco foi comprado na Sangari, sob o argumento de que é um "produto singular"

Apesar de estar sob investigação da Operação Megabyte, deflagrada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, por ter efetuado gasto de pelo menos R$ 1,2 bilhão sem licitação, o governo do Distrito Federal repetiu o procedimento com o programa Ciência em Foco. O governo José Roberto Arruda (DEM) contratou por quase R$ 300 milhões a empresa Sangari do Brasil, também sem licitação, para fornecer kits de ciência para 402 escolas do ensino fundamental.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) informou ontem ao Estado que está fazendo uma auditoria no contrato - que tem valor exato de R$ 289,7 milhões, a serem investidos nos próximos cinco anos. O acordo foi assinado entre a Secretaria de Educação e a empresa em março passado.

Como em muitos exemplos anteriores, a Secretaria de Educação diz que não havia no mercado um competidor para fornecer o que a Sangari se dispôs a oferecer, que se trata de um ¿produto singular¿ e, por isso, com a ajuda da Procuradoria Jurídica do governo do DF, concluiu que ¿não havia como fazer licitação¿. Em abril passado, diante do valor do contrato, o Tribunal de Contas chegou a suspender os pagamentos, retomados a partir de 15 de maio. No início deste mês, os kits de ciência começaram a ser distribuídos pelas escolas.

De acordo com o secretário de Educação do Distrito Federal, José Luiz Valente, a Sangari foi a única que se apresentou, após a realização de audiência pública, em agosto do ano passado. ¿Consultamos a Procuradoria do Distrito Federal, que, então, nos orientou a contratar a empresa¿, disse Valente.

SEM TETO

Em algumas das escolas beneficiadas pelo kit, como a Escola Classe 203, em Santa Maria, cidade satélite de Brasília, o material do projeto Ciência em Foco está completo, mas falta o básico: teto na escola. As aulas não foram interrompidas porque, em Brasília, o período é de seca.

Em outras unidades do ensino fundamental, como a Escola Polivalente, no Plano Piloto, a infra-estrutura não é problema, mas o material do kit ciência ainda está incompleto. A supervisora pedagógica do colégio, Ângela Maria Alves de Brito, elogia o programa Ciência em Foco. ¿O melhor do material, vi pelo curso, são os livros, mas eles ainda não chegaram¿, disse a supervisora.

O secretário de Educação reconhece o problem das más condições de infra-estrutura em algumas escolas. Mas não acha que, no caso da escola de Santa Maria, o reparo no teto deveria ter sido feito primeiro, para só depois entregar o material pedagógico de ciências.

¿Não desconheço a necessidade de obras e acho que foi um erro deixar chegar a situação chegar ao ponto que chegou. Mas é preciso dar condições iguais aos alunos que estudam tanto na escola com problema quanto na escola com sala bonita. Se fôssemos só pensar em obras, não seríamos a Secretaria de Educação, mas a Secretaria de Obras¿, disse.

Valente disse que todo o processo de decisão levou em conta parâmetros pedagógicos. ¿Nós estamos fora de qualquer processo político¿, afirmou. ¿O que nós não quisemos foi transformar a distribuição do kit ciência em um processo que reforçasse as desigualdades. Não entregar os kits nas escolas abrigadas em prédios ruins seria penalizar os alunos duplamente: além de não ter conforto, o aluno também não teria o material para melhorar as aulas.¿

A Sangari do Brasil foi procurada pela reportagem, mas disse que não se pronunciaria sobre o assunto e só falaria sobre a qualidade do material do kit ciência. A Operação Megabyte da PF investiga contratos sem licitação e com suspeita de fraude firmados no governo Arruda e na gestão do antecessor, Joaquim Roriz (2003-2006).