Título: Decidi ser candidata para ficar oito anos
Autor: Bramatti, Daniel; Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2008, Nacional, p. A10

Petista nega intenção de se candidatar à Presidência ou ao governo do Estado e diz que avalia redução de impostos

Na última eleição municipal, em 2004, a petista Marta Suplicy acusava seu principal adversário, José Serra (PSDB), de se candidatar à Prefeitura de São Paulo com o objetivo oculto de concorrer ao governo do Estado dois anos depois. Serra venceu e, de fato, optou por disputar o Palácio dos Bandeirantes em 2006, deixando a cidade sob o comando de seu vice, Gilberto Kassab (DEM).

Novamente candidata, agora é Marta quem concorre sob a suspeita de tentar usar a prefeitura como trampolim para vôos mais altos - alas do PT a apontam como possível candidata ao governo e até a Presidência em 2010.

Mas a petista nega essa possibilidade. Não apenas diz que cumprirá o eventual mandato de prefeita até o fim, mas já se anuncia como candidata à reeleição em 2012. Para ela, um mandato de quatro anos é insuficiente para ¿consolidar políticas públicas¿ na maior cidade do País.

Com um discurso conciliador e apontando como erro a criação das taxas do lixo e da iluminação pública, Marta agora fala até na possibilidade de reduzir impostos. Ela admite que sua política tributária ¿pesou¿ para parte da classe média e diz que setores da população não gostaram de ver seus impostos aplicados na construção de CEUs - escolas com teatro, piscina e quadras esportivas - na periferia da cidade.

A seguir, os principais trechos de entrevista concedida na sexta-feira:

A sra. concorda com a avaliação de que o trânsito será questão central da campanha? Como enfrentar o problema?

Acho que esse governo executou muito pouco em relação à saúde e à educação. Mas o trânsito deve provocar um debate mais acirrado, porque é disso que as pessoas estão reclamando. Fizemos 100 quilômetros de corredores e deixamos 200 quilômetros programados. Foram feitos só 7,5. A curto prazo, é preciso recuperar a capacidade de gestão da CET, que está sucateada. O segundo ponto são os corredores. Isso demora um ano e meio para fazer. E a longo prazo é investir em metrô, pois hoje há recurso para fazer.

Por que só agora?

Em 2003, quando poderíamos ter investido na linha 4, não tinha projeto. Nós governamos com poucos recursos. Quando entrei, eram R$ 9 bilhões (Orçamento municipal). Em 2005, eram R$ 15 bilhões, e hoje são R$ 21 bilhões. Os tucanos estão no poder há 16 anos, não podem dizer que o metrô não anda por causa da prefeitura.

Como o presidente Lula participará da campanha?

O presidente só não é unanimidade hoje porque isso não existe em política. Ele desfruta de um prestígio enorme graças à gestão econômica. Todos os brasileiros estão numa situação melhor, principalmente os mais pobres. A presença dele será muito positiva.

Seu mapa de votação em 2004 mostra um apoio maior na periferia e uma resistência muito forte nas áreas mais nobres. Por que essa rejeição ao PT ou ao seu nome na classe média?

Houve muitas campanhas amedrontadoras em relação ao PT que depois se mostraram absolutamente infundadas. O presidente Lula cumpriu todos os contratos, ao contrário do que fez Serra na prefeitura. Um preconceito de classe ainda existe contra o PT. O governo que eu fiz adicionou algo a isso. Fiz um governo de inclusão social. Vários setores, principalmente a classe média que vive de um salário mais contado, perceberam que tinham de fazer um esforço gigantesco para colocar seu filho num colégio particular que não chegava aos pés de um CEU, que era feito para os mais pobres. Para muitas pessoas foi visto como se (a prefeitura) estivesse tirando delas. Pensavam: ¿Eu me mato para pagar o balé para a minha filha, ou a aula de violino para o meu filho, e meu imposto está indo para essas pessoas que provavelmente nem pagam nada e estão tendo acesso a bens e a luxos de que não precisam.¿ Muitos se engajaram nessa campanha. O próprio PSDB, que, depois, devido à pressão da população beneficiada, teve de voltar atrás e continuar o projeto dos CEUs. Eles poderiam ter inaugurado os novos CEUs com um ano e meio de governo, porque as obras estavam contratadas.

Houve resistências?

Houve, eles não queriam fazer. Mas o importante é recuperar o conceito de CEU. O conceito de que uma criança pobre não tem de ter acesso só a aulas de matemática e português. Ela precisa de uma janela para algo que na sua vivência familiar é impossível, teatro, instrumento musical, filme, clube. A idéia é que todas as crianças possam ter isso.

Qual a sua avaliação do projeto Cidade Limpa?

Acho um bom projeto e nós vamos continuar, talvez ouvindo mais os pequenos comerciantes, que se sentiram prejudicados, vendo como podemos ajudá-los a recuperar as fachadas que ficaram deterioradas com a retirada de painéis.

O PMDB diz que não fez aliança com o PT porque o partido teria sido incapaz de oferecer garantias para um acordo. Mesmo a aliança com tradicionais aliados demorou para ser fechada. Houve erros?

Não creio. Estamos com os aliados que deveríamos ter. São os partidos de esquerda, que têm uma proposta programática mais afim. E a conversa com Aldo Rebelo (candidato a vice-prefeito) foi extremamente positiva. É uma pessoa que acrescenta em termos de competência, experiência, por sua bagagem e sua origem, ele é do Nordeste. Está bom demais do que jeito que acabou saindo.

Dentro do próprio PT há pessoas que dizem que a sra. poderia sair da prefeitura em 2010 para se candidatar a governadora. Há possibilidade de isso acontecer?

Não cogito nada nessa direção. Resolvi ser candidata para consolidar políticas públicas. Recebemos 12 hospitais sem aparelhos. A saúde era um deserto, uma coisa muito difícil recuperar. Nós começamos a reconstruir e deixamos tudo pronto para o passo seguinte. Íamos fazer os centros de especialidades, o que esse governo não aproveitou. O gargalo que nós deixamos é exatamente o que hoje continua: a pessoa demora dois anos para marcar um exame, oito meses para marcar outro... Se tivesse havido continuidade no transporte, teríamos 200 quilômetros de corredores. Na educação teríamos feito os CEUs em um ano e meio. É muito duro ter um governo de quatro anos. Quando decidi ser candidata, pensei: vou ser por quatro anos e vou tentar ficar oito. Porque aí eu consolido, deixo na cidade uma marca que fica.

Dois flancos que seus adversários tendem a explorar: aumento de impostos e a declaração do ¿relaxa e goza¿, da qual a sra. já se desculpou. Existe o temor de que isso seja usado na campanha?

Tudo pode ser usado. Pode ser usado contra o Alckmin que caiu o metrô que ele construiu, que o Kassab chamou de vagabundo (um manifestante contra o projeto Cidade Limpa). Mas não sei o que isso acrescenta para a avaliação do eleitor. Não espero que eles usem, nem pretendo usar. Em relação a impostos, reconheço que a mão pesou quando se quis fazer muita coisa ao mesmo tempo. Houve reavaliação da planta genérica, IPTU progressivo e as taxas. Muitos foram isentos do IPTU, mas para outros pesou. Hoje eu não faria do mesmo jeito.

Há espaço para cortar impostos?

Acho que sim, já pedi para estudar. Isso seria importante.

Qual a sua posição em relação a aborto, pena de morte e casamento gay?

Ninguém pode ser a favor do aborto como método, mas não se pode ignorar o grave problema de saúde pública dos abortos clandestinos. Sou a favor da aplicação da lei que já garante assistência às mulheres e à ampliação em alguns casos, como, por exemplo, de anencefalia. Sou contra a pena de morte e a favor da parceria civil de homossexuais, como já tem sido reconhecida em sentenças judiciais.