Título: Crise afeta reunião do Mercosul
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2008, Internacional, p. A21

Problemas enfrentados por Cristina, que preside bloco há seis meses, esvaziam agenda do encontro de amanhã

Os chefes de Estado dos quatro países do Mercosul reúnem-se amanhã em San Miguel de Tucumán, na Argentina, para aprovar uma agenda praticamente nula. Trata-se do resultado dos seis meses em que o bloco foi presidido pelo governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, que tomou posse em dezembro e vem enfrentando uma crise política e econômica.

A principal decisão desta 35ª Reunião de Cúpula do Mercosul será o adiamento das medidas que dariam um pouco mais de envergadura ao bloco econômico para o encontro de número 36, em Salvador (BA), marcado para dezembro.

Na prática, a reunião de Tucumán será mais um ¿pequeno encontro¿ da América do Sul, uma vez que também estarão presentes os líderes da Bolívia, do Chile, da Colômbia, do Equador, do Peru e da Venezuela. Esse caráter do encontro estava tão evidente na semana passada que o governo do Chile, país que preside até o final do ano a União Sul-Americana de Nações (Unasul), convocou uma reunião extraordinária de cúpula dessa entidade para o dia seguinte, terça-feira, na mesma cidade.

A própria reunião do Mercosul tende a refletir a crise causada pela recusa de Cristina Kirchner em acabar com o imposto sobre as exportações agrícolas (a chamada ¿retenção¿, que levou o setor a organizar quatro locautes no país nos últimos três meses) e por duas opções econômicas - uma protecionista, na área do comércio exterior, e a outra heterodoxa, no combate à inflação. Por enquanto, a Argentina não decidiu restringir o ingresso de produtos brasileiros em seu mercado, como no passado. Mas forçou - e conseguiu - o adiamento do livre comércio do setor automotivo com o País de 2008 para 2013, como consta do acordo bilateral firmado neste mês.

¿O governo Kirchner não tem política externa, nem mesmo uma agenda de aprofundamento do Mercosul. Em nome da sua parceria estratégica com a Argentina, o Brasil diz amém¿, avaliou o consultor Pedro da Motta Veiga. ¿O resultado é um Mercosul encostado, que ninguém quer demolir nem melhorar.¿

Decisão negociada desde 2004 no Mercosul, o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) sobre produtos importados de outras regiões do mundo que cruzam mais de uma fronteira dentro do bloco foi uma das vítimas da receita econômica do governo Cristina Kirchner. Ao longo deste semestre, a Argentina impediu os avanços nas negociações do Código Aduaneiro Comum, o componente essencial para que a dupla cobrança da TEC seja eliminada no comércio dentro do bloco regional.

¿As `retenções¿ argentinas sobre as exportações impedem qualquer tentativa de formulação do Código Aduaneiro¿, afirmou a economista Lúcia Maduro, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo Bruno Bath, diretor do Departamento do Mercosul do Itamaraty, outras duas decisões relevantes para o bloco serão postergadas para dezembro. A primeira é a criação de um fundo de garantia para pequenas e médias empresas que estejam integradas às cadeias produtivas do Mercosul. A idéia foi sugerida pelo governo brasileiro em dezembro. A segunda é a adoção do mecanismo que permitirá o fechamento de contratos de câmbio em moedas nacionais no comércio entre o Brasil e a Argentina. Essa iniciativa está em discussão há quase dois anos.

BRASIL NA PRESIDÊNCIA

Com esses adiamentos, a Argentina passará amanhã ao Brasil a responsabilidade de conduzir essas mesmas negociações a bom termo até a reunião de Salvador, em dezembro. ¿Essa agenda, que não é muito ambiciosa, deveria ter sido resolvida há muito tempo¿, disse o embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). ¿O processo de integração do Mercosul está se aprofundando mais por iniciativa do setor produtivo, especialmente o brasileiro, do que por motivação dos governos.¿

Para Tucumán, a presidente argentina e seus colegas deverão tomar apenas três decisões de menor envergadura. A eliminação da exigência de passaporte para cidadãos da América do Sul que circulem pela região, como hoje ocorre dentro do Mercosul, será uma delas. A outra será o acordo de liberalização do setor de serviços entre o Mercosul e o Chile, que foi concluído na semana passada, em Buenos Aires. A última decisão será a aprovação do financiamento do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) para três projetos de infra-estrutura do Paraguai, no valor total de US$ 23,7 bilhões.