Título: Auditoria do ministério apura morte de bebês na Santa Casa
Autor: Mendes, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2008, Vida&, p. A15

Tribunal de Contas do Pará rastreará aplicação de verbas; MP pede abertura de inquérito

Gestantes que chegam para dar à luz sem ter feito o pré-natal, falta de treinamento adequado de novos funcionários, superlotação dos berçários e da unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal aliadas ao reduzido número de médicos e de equipamentos são um retrato da situação vivida pela Santa Casa de Misericórdia do Pará, que registrou desde o mês passado 22 mortes de bebês.

Para apurar a situação do hospital em Belém, pelo menos três órgãos iniciaram auditoria e investigação. O Ministério da Saúde enviou ontem um grupo de auditores, designado pelo secretário de Gestão Participativa, Antonio Alves, para dar celeridade à apuração das mortes.

Ao mesmo tempo, auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) chegaram para examinar documentos e planilhas de verbas liberadas pelo governo para saber se o dinheiro foi aplicado corretamente, enquanto o Ministério Público anunciou um pedido de abertura de inquérito policial para apurar o caso.

A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), não se manifestou sobre a situação no local. No fim de semana, o governo anunciou intervenção no hospital e a saída do então diretor Anselmo Bentes.

Foi substituído por Maria Silvia Comaru, que anunciou ampliação do número de leitos na UTI neonatal de 22 para 42. Os interventores têm até o final da semana para concluir levantamento da mortalidade perinatal (leia texto nesta página).

¿Acho que isso tudo (as investigações) vai dar em nada. É só para dizerem que estão fazendo alguma coisa. Afinal, quem morreu foi só gente pobre. Tanto que não tinha nem dinheiro para um enterro digno. Foram todos enterrados como indigentes¿, disse Maria Madalena Braga, de 65 anos, avó de um dos bebês mortos.

DEFICIÊNCIAS

Entre as vítimas também está o bebê da adolescente B., de 14 anos, moradora do município de Terra Alta (a 113 km de Belém). Sem informação sobre como cuidar da gravidez, a garota deu entrada na Santa Casa com fortes dores, em meados do mês passado. Ela não passou nem 30 minutos na sala de cirurgia. Perdeu o bebê.

O hospital disse que a criança teria nascido com graves problemas cardíacos e sífilis. ¿Nem vi meu filho, porque não deixaram. Fui embora para Terra Alta. Um tio foi ao hospital uma semana depois buscar o corpo para o sepultamento¿, disse B., que confirma não ter passado por consulta no período do pré-natal. Esse tratamento é indispensável durante a gravidez para evitar problemas antes e depois do parto.

Pelo menos 60% das grávidas adolescentes oriundas do interior do Pará que dão entrada na Santa Casa, segundo levantamento do próprio hospital, nunca fizeram o pré-natal. Motivo: deficiência na rede pública de saúde.

O que aconteceu com o filho de B. é encarado como rotina na Santa Casa, um dos maiores hospitais públicos da região amazônica. O local, um conjunto de prédios com mais de 370 anos, ocupa uma quadra do bairro do Umarizal, no centro de Belém.

O hospital recebeu recentemente novos servidores, admitidos por concurso público após a demissão de mais de 150 funcionários temporários.

A pouca experiência leva os novos funcionários a enfrentarem dificuldades para lidar com situações de risco, principalmente entre as gestantes jovens.