Título: Ingrid: ''Fiquei 3 anos acorrentada''
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2008, Internacional, p. A26

Ex-refém relata sofrimento vivido no cativeiro e afirma que espiritualidade a impediu de ?cair no abismo?

Em entrevista concedida ontem, no Palácio do Eliseu, em Paris, Ingrid Betancourt, ex-refém da guerrilha colombiana, começou a dar uma dimensão do que foram os seis anos de sofrimento na selva. Apesar da disposição para falar do próprio drama, Ingrid foi muito clara ao afirmar que algumas coisas jamais serão conhecidas. "Quando subi naquele helicóptero e decolamos sobre a floresta, disse a mim mesma que os detalhes sórdidos nunca seriam revelados."

Ingrid se dispôs a explicar as condições de sobrevivência na selva colombiana quando ainda estava em Bogotá, pouco antes de embarcar no avião oficial do governo francês. Em entrevista à rádio Europa 1, de Paris, a ex-senadora e ex-candidata à presidência da Colômbia contou que viveu acorrentada 24 horas por dia durante três anos, metade de seu tempo de cativeiro.

Nesse período, foi vítima de torturas, humilhações e descobriu que na dor e no desrespeito extremo reside a tentação do suicídio. "Houve momentos de grande crise, de grande dureza, de maus-tratos. E havia momentos em que (os guerrilheiros) tentavam mostrar uma outra face, porque eram tão monstruosos que eles mesmos estavam enojados", descreveu. Ingrid atribui à "espiritualidade" a origem da força que lhe impediu de "cair no abismo".

Ontem, na capital francesa, a ex-candidata voltou ao passado. "Na selva não há sol, nem céu. Há uma muralha de árvores e feras assustadoras", disse, logo no início de seu discurso no Palácio do Eliseu. "Em média, caminhava 300 quilômetros por ano", afirmou, lembrando que a perseguição do Exército obrigava os revolucionários a constantes deslocamentos. "Precisava de luvas, porque na selva tudo fere. É um mundo absolutamente hostil, com animais perigosos, entre os quais o pior de todos, o homem, que me ameaçava."

Um de seus passatempos mais freqüentes na floresta, segundo ela, era ensinar francês aos companheiros de martírio, alguns dos quais detidos há mais de 10 anos. Ingrid contou que via neles desespero e entrega. Aos jovens reféns, muitos presos pelos guerrilheiros aos 18 anos, Ingrid falava da França e fazia-os sonhar com a vida em uma terra onde há liberdade.

"A França é liberdade, é alegria, é fraternidade. Sei que o que digo que é banal, mas para os jovens reféns - e para mim - essas eram palavras muito fortes", explicou. "Eu falava da França para que eles pensassem em outra coisa, para que parassem de pensar em suicídio."

Além de falar do passado, Ingrid também projetou o futuro. Nos momentos em que não estiver à frente de sua nova ação política pela libertação dos demais cativos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a ex-refém pretende se dedicar à literatura.

"Quero escrever vários livros. Há certas coisas que posso contar. Há outras sobre as quais terei maior dificuldade de dizer em meu próprio nome", admitiu, antecipando que pretende escrever uma peça de teatro, que seria, de acordo com ela, uma forma de se dirigir ao público de uma maneira diferente. Seu maior projeto, porém, ainda é político. "O maior projeto de todos é mudar o mundo. E há muitas coisas que precisam ser feitas."