Título: Incertezas sobre economia global dominam G-8
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2008, Economia, p. B10

Encontro anual dos países ricos é realizado em meio à disparada dos preços dos alimentos e do petróleo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa da reunião do G-8, nesta semana, no Japão, armado de duas mensagens: ao tratar da inflação, vai oferecer a produção agrícola brasileira como parte da solução; ao criticar a especulação em torno dos preços do petróleo e das commodities agrícolas, vai apontar um dedo acusador para as sete nações mais ricas e cobrar mecanismos para evitar que o mundo em desenvolvimento pague mais uma vez o preço de uma crise originada nos mercados financeiros centrais.

Amparado pelos chefes de Estado do G-5 (Brasil, África do Sul, China, Índia e México), além do apoio prévio dos presidentes da América do Sul, Lula será uma espécie de porta-voz dos países que foram as principais vítimas das crises do petróleo, nos anos 70 e 80, e das dívidas, que se sucederam na segunda metade da década de 90.

A cúpula do G-8, na terça e quarta-feira, em Hokkaido, ocorre num momento crítico da economia mundial. Terá na pauta a escalada do preço do petróleo, que bateu na casa dos US$ 146 por barril na semana passada e poderá alcançar US$ 200 por barril até o fim do ano, conforme análise do Banco Mundial (Bird). O encontro de Hokkaido se concentrará também no aumento dos preços internacionais dos alimentos e a conseqüente ameaça de disparada da inflação. Ontem, milhares de pessoas protestaram contra a reunião do G-8. Quatro manifestantes foram presos.

Os líderes do G-8 terão de decidir a proposta de criação de um fundo de US$ 10 bilhões, pelos países mais ricos, para financiar projetos que ajudem a estancar o aquecimento global nos países em desenvolvimento. Ao tocarem nesse tema e na questão dos preços dos alimentos, o biocombustível, inevitavelmente, voltará ao centro dos debates.

Nesse cenário, o presidente brasileiro pretende atacar as versões de que a alta nos preços internacionais do petróleo e dos alimentos se deve a um descompasso entre a oferta e a demanda, elevada pelo consumo em países como a Índia e a China.

Lula falará do impacto da especulação financeira nos mercados futuros dessas commodities e da influência dos aumentos dos preços do petróleo nos custos agrícolas - com a conseqüente elevação das cotações para o mercado externo e da inflação interna.

Assim como no seu discurso na reunião de cúpula da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em Roma, no início de junho, Lula voltará a insistir que o "etanol bom", proveniente da cana-de-açúcar e da celulose, faz parte da solução do problema do aquecimento global e das limitações energéticas. Novamente, o distinguirá do "etanol ruim", fabricado especialmente nos Estados Unidos e na Europa a partir de alimentos básicos, como o milho.

A ocasião será ainda propícia para um novo apelo de Lula para que os países desenvolvidos tomem a iniciativa de aceitar as demandas do mundo em desenvolvimento na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) - o corte "substancial" nos subsídios à agricultura e a abertura desse mercado - e de exigir menores contrapartidas. Fechar a Rodada até o fim deste mês, insistirá Lula, será um ato que contribuirá para a solução dos atuais dilemas da economia do planeta e diminuirá os prejuízos às populações dos países mais pobres.

"A questão que estará na mesa do G-8 é como ter uma ação concertada e concentrada para combater a especulação. Isso tem de ser objeto de uma discussão desapaixonada, científica, não preconceituosa. É o que temos a propor ao G-8", afirmou o chanceler Celso Amorim. "A especulação e os outros fatores que levam à escalada dos preços dos alimentos têm de ser discutidos, assim como a distinção entre o etanol bom e o etanol ruim e a eliminação das taxas que restringem o ingresso do etanol bom nos mercados, em prejuízo aos consumidores", defendeu.

ENSAIO EM CASA

Na Cúpula do Mercosul, na semana passada, Lula já ensaiou o discurso no G-8. Num improviso inesperado, surpreendendo até mesmo seus colaboradores mais próximos, o presidente brasileiro chamou a atenção para o fato de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), manteve a taxa de juros básica intacta em 2% ao ano, em maio, quando poderia baixá-la para estimular o consumo interno. Para o presidente, tratou-se de mais um gesto do Fed para aliviar o déficit gêmeo dos EUA - nas contas públicas e nas transações correntes.

Lula também advertiu para o "misterioso" comportamento dos bancos europeus, que perderam mais de US$ 400 bilhões desde a eclosão da crise no mercado de crédito imobiliário americano (o subprime) e jamais cobraram a responsabilidade por esses danos do governo americano.

"Parece que a crise não aconteceu. Parece que os bancos europeus não perderam dinheiro. E, até agora, o FMI (Fundo Monetário Internacional) não deu nenhum palpite para os americanos consertarem a sua economia", declarou, na reunião do Mercosul. "Nós temos de tomar todos os cuidados para não permitir que essa crise, que estava no mínimo a 8 mil quilômetros de distância, se transforme em uma crise nossa", completou.