Título: Lula substitui Chávez em liderança regional
Autor: Romero, Simon; Barrionuevo, Alexei
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2008, Internacional, p. A13
Com discrição, presidente brasileiro assume posição hegemônica na América Latina
Enquanto os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, apertavam as mãos numa reunião de cúpula no mês passado em Caracas, funcionários da petrolífera estatal da Venezuela erguiam os punhos diante das câmeras e gritavam slogans socialistas inspirados em Cuba.
Foi uma imagem de solidariedade que, em épocas passadas, poderia ter alarmado Washington, que via a guinada para líderes populistas de esquerda em toda região na última década como uma ameaça.
Mas o evento orquestrado escondia uma transformação mais recente na América Latina: Lula vem se afastando consistentemente do líder venezuelano e serenamente o suplantando no processo de fazer do Brasil uma potência regional.
Hoje, os dois líderes - em geral parceiros, mas eventualmente rivais - oferecem caminhos completamente diferentes para o desenvolvimento, e é a atitude mais pragmática do Brasil que parece em ascensão. Ante o declínio da influência americana na região, o presidente brasileiro está discretamente se sobrepondo a Chávez em quase toda disputa pela liderança na América do Sul.
Chávez tem nacionalizado companhias estrangeiras e vem tentando formar um bloco antiamericano de nações. Mas sofreu um golpe na semana passada, quando seu rival ideológico, o presidente colombiano, Álvaro Uribe, resgatou 15 reféns retidos na selva pela guerrilha colombiana.
Lula diversificou a já sólida base industrial do Brasil e criou uma ampla coalizão política com quase uma dúzia de países vizinhos. As enormes descobertas recentes de petróleo em águas brasileiras permitiram-lhe obstruir os esforços da Venezuela de usar sua abundância de petróleo para conquistar influência. A economia venezuelana tem mostrado sinais de fraqueza e sua dependência do comércio brasileiro vem se intensificando.
A chave do sucesso do Brasil tem sido uma feliz confluência de tendências econômicas globais, como o aumento da demanda de commodities como soja e etanol de cana-de-açúcar, mas também uma condução discreta de Lula.
Em lugar de indispor-se publicamente com Chávez, mesmo quando este ameaçou interesses brasileiros, Lula explora seu passado de esquerda e o enche de elogios. Numa entrevista à revista alemã Der Spiegel, Lula chegou a descrever Chávez como o "melhor presidente do século" na Venezuela. "O lado pragmático de Lula, que como líder sindical sempre foi um negociador, compensou", disse Kenneth Maxwell, um historiador da Universidade de Harvard.
Embora os altos preços do petróleo tenham favorecido as políticas isoladas teatrais de Chávez, a influência mais contundente da Venezuela continua limitada a um punhado de nações pobres da região - Bolívia, Cuba, República Dominicana e Nicarágua. Enquanto isso, a inesperada adoção por Lula das idéias favoráveis ao mercado iniciadas por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, enfatizou o quanto o pensamento político se tornou heterogêneo na América Latina, mesmo na esquerda.