Título: PF rastreia o caminho do dinheiro que teria sido lavado
Autor: Macedo, Fausto; Godoy, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2008, Nacional, p. A4

Sob controle de Dantas, valor de US$ 1,97 bilhão percorreu paraísos fiscais até voltar

Roberto Almeida, Rodrigo Pereira e Ricardo Grinbaum

O dinheiro saiu do Banco Opportunity, passou por dois paraísos fiscais no Caribe, pela Irlanda e pelos Estados Unidos antes de retornar lavado ao Brasil como se fosse investimento estrangeiro. Esse foi, segundo as investigações da Polícia Federal, o caminho percorrido pelos valores movimentados, entre 1992 e 2004, pelo Opportunity Fund, do banqueiro Daniel Dantas - e que, no total, chegariam a US$ 1,97 bilhão. A sede da operação ficava nas ilhas Cayman.

No esquema do Opportunity, a suspeita da PF é que dinheiro de origem ilícita era remetido por clientes brasileiros por meio de doleiros para o exterior. Os clientes abriam empresas em nome de laranjas. Ao chegar ao fundo, o esquema permitiria a volta desse dinheiro ao Brasil já lavado. Aplicados como investimento estrangeiro no País, os recursos ganhavam aparência legal. Se fosse de origem lícita, o dinheiro pagaria ao sair do Brasil, em caso de empresas, 25% de imposto de renda e 12% de Contribuição Social sobre Lucro.

As informações de que o Banco Opportunity teria montado tal esquema estavam no disco rígido apreendido em 2004 pela Polícia Federal, durante a Operação Chacal. ¿Há indícios de que, apesar da ação da PF, esse esquema foi mantido¿, afirmou o procurador da República Rodrigo de Grandis. Segundo ele, e-mails trocados entre os acusados mostrariam indícios de violação do artigo 22 da lei 7.492/86 (evasão de divisas) e do artigo 4º da mesma lei (gestão fraudulenta de instituição financeira).

Segundo de Grandis, o esquema montado pelo Opportunity tinha como objetivo, além de esconder a existência de depósitos de seus clientes no exterior, investir o dinheiro deles no Brasil como se fosse estrangeiro, o que lhe permitia fugir do Fisco e lavar os recursos. O serviço do Opportunity era oferecido aos clientes como um fundo offshore em dólares, que se distingue dos fundos nacionais. Era formado por vários subfundos, o que dava aos clientes várias possibilidades de rendimento, como renda fixa e ações, por exemplo. Juridicamente, no entanto, existia apenas o Opportunity Fund. Algumas ações do fundo eram realizadas, segundo laudo financeiro da PF, por terceiros. O laudo cita um outro banco como ¿custodiante dos papéis de bolsa brasileira¿ e uma instituição financeira em Nova York como o responsável por esse serviço no exterior.

¿Em sua maioria (os clientes) cuidava-se de brasileiros, sendo este um indicativo de que estaria atuando tal fundo à margem da legislação nacional¿, diz o juiz Fausto Martins de Sanctis no despacho em que decretou a prisão de Dantas e dos demais acusados. Segundo o procurador de Grandis, era vedado, na época, ¿admitir subscrição de cotas por clientes brasileiros¿. Por exigência imposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as ações não poderiam ser vendidas ou oferecidas a residentes ou domiciliados no Brasil. Além disso, havia proibição expressa de que entre seus integrantes figurassem brasileiros, conforme resolução 2.689 do Conselho Monetário Nacional. Assim, segundo a PF, os exames do disco rígido mostram que ¿não há notícia de que os valores de brasileiros tenham sido legalmente remetidos do País¿.

Depois de retirar o dinheiro do Brasil, o esquema, segundo a Procuradoria da República, usava o Unique Fund. Criado nos mesmos moldes do Opportunity, o Unique, como sede nas Ilhas Virgens Britânicas, estava em 2004 sendo transferido para Dublin (Irlanda). O fundo era administrado pelo banco suíço UBS. Segundo a inteligência da PF, ¿sua criação destinava-se à transferência de recursos de investidores aplicados no Opportunity Fund com o eventual propósito de apagar qualquer vestígio de irregularidade que leve à identificação de ilícitos financeiros¿.

E-mails interceptados pela PF mostram que envolveriam a criação de outros fundos de investimentos offshore ¿com o objetivo de investir no mercado brasileiro¿. Para fazer o dinheiro evadido voltar ao Brasil, segundo o procurador Rodrigo de Grandis, o esquema se valia de um outro fundo offshore, denominado Ridgeview Investments Llc. Constituído no estado de Delaware (EUA), o fundo estaria registrado na CVM como ¿um investidor estrangeiro com diversos ativos no Brasil¿.

Segundo a acusação, o fundo seria administrado pelo grupo de Dantas, ¿realizando investimentos no mercado de capitais no Brasil¿. Sobre a Ridgeview, a PF afirma que ¿há indícios de que o capital não tenha origem lícita, ou seja, visou disfarçar a manutenção de depósitos no exterior¿. Assim, o dinheiro de brasileiros retornava ao Brasil como se fosse investimento estrangeiro.