Título: Depois de boom, Vietnã tenta evitar desaceleração excessiva
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2008, Economia, p. B10

Disparada da inflação obriga o governo a adotar medidas para esfriar o crescimento, que chegou a 8% em 2007

Considerado um dos mais bem-sucedidos mercados emergentes do início do século 21, o Vietnã viveu um momento de ¿exuberância irracional¿ no ano passado e agora enfrenta o risco de errar a mão e segurar de maneira drástica o ritmo de crescimento para conter a inflação, o que transformaria o sucesso em uma congestão econômica de conseqüências devastadoras.

Com expansão média anual de 7% ao ano nas últimas duas décadas, o país asiático entrou em 2007 em um movimento clássico de superaquecimento, alimentado pela entrada de grandes volumes de investimento estrangeiro, pelo aumento das taxas de investimento internas, pela criação de bolhas nos mercados acionários e imobiliário e inflação - no mês de junho, a taxa foi de 27%.

A bolha acionária já explodiu e colocou o mercado local no topo dos de pior desempenho no ano, com queda de 60%. Os preços dos imóveis também estão diminuindo e o ritmo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) desacelerou no primeiro semestre do ano para 6,5%, comparado a 7,91% em igual período do ano passado. Além disso, o governo reduziu a meta de crescimento de 2008 de 8,5%, mesmo índice do ano passado, para 7%.

Com fome generalizada e 70% da população abaixo da linha da pobreza no início dos anos 80, o Vietnã decidiu seguir os passos da China e lançar reformas de mercado e se abrir ao capital estrangeiro em 1986.

Batizada de ¿doi moi¿, que significa ¿renovação¿, a nova política acabou com a coletivização no campo e permitiu que os agricultores cultivassem pedaços de maneira individual. Além disso, abandonou a centralização econômica no Estado e abriu espaço para os empreendedores privados, que reagiram prontamente.

As ruas de Hanói são tomadas por pequenas lojas, muitas das quais fabricam no local os produtos à venda, que incluem móveis, sapatos, ferramentas, roupas e portões de ferro.

O presidente da Câmara Vietnamita de Comércio e Indústria, Vu Tien Loc, estima que o setor privado já responde por 60% da atividade econômica, com cerca de 300 mil empresas registradas. Ao lado dessas, há outras 3,7 milhões não registradas, universo integrado pelos negócios familiares que se espalham por todo o país.

O governo adotou uma política de atração de Investimento Estrangeiro Direto (IED), com a concessão de incentivos para a instalação de empresas em solo nacional. A entrada do Vietnã na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2007, transformou o país na opção preferencial de empresas já instaladas na China que buscam diversificar sua atuação na Ásia, em uma estratégia conhecida como ¿China + 1¿.

A avalanche de IED recebido pelo país a partir do ano passado está na origem do superaquecimento da economia e da inflação. Com um PIB de US$ 71 bilhões, o Vietnã teve um volume de IED contratado - não desembolsado totalmente - de US$ 20 bilhões no ano passado. Nos primeiros seis meses de 2008, a cifra já atinge US$ 31 bilhões, segundo Noritaka Akamatsu, o principal economista do setor financeiro do Banco Mundial no Vietnã.

Para evitar que a entrada de capital provoque a valorização da moeda local, o banco central compra os dólares, por meio da emissão de dongues vietnamitas. Parte desse dinheiro é retirada de circulação com a emissão de bônus, mas uma parcela continua no mercado, o que eleva a quantidade de recursos na economia e alimenta todos os tipos de bolhas.

Com dinheiro em caixa, os bancos aumentaram as suas operações de crédito em 53% no ano passado, um número altíssimo. Muitos desses créditos são utilizados para investimentos, que representam 40% do PIB, o dobro do índice brasileiro. A demanda por todos os tipos de ativos cresce, o que estimula a alta de preços.

O grande volume de IED também levou a uma explosão das importações e a um déficit comercial de US$ 14,8 bilhões nos primeiros seis meses do ano, o triplo do registrado em igual período de 2007. Com novos investimentos, as empresas importam máquinas, equipamentos e insumos para destinar às suas novas operações, o que gera um resultado negativo na balança de ¿boa qualidade¿, segundo Akamatsu, já que terá como conseqüência o aumento da produção nacional no futuro.

Na avaliação do economista do Banco Mundial, o maior risco diante do Vietnã não é a inflação nem o déficit comercial, mas a ameaça de a economia se desacelerar de maneira acentuada e entrar em uma espiral de deterioração da lucratividade das empresas que leve a uma crise bancária.

¿O governo e o banco central adotaram medidas draconianas para esfriar a economia¿, afirma Akamatsu. O economista cita a elevação de 5% para 10% do depósito compulsório dos bancos, em junho de 2007, e o aumento da taxa de juros para 14%, que significa um nível de 21% nas operações de crédito para as empresas. Em sua opinião, o setor privado vai sentir gradualmente o peso do custo do dinheiro e algumas firmas podem quebrar, o que provocaria a deterioração do balanço dos bancos.

Na opinião dele, o mais importante é o governo relaxar as medidas de aperto monetário assim que aparecerem os primeiros sinais de que a inflação começou a ceder.

Na semana passada, o banco estatal BIDV anunciou que poderá cortar os juros para empresas de determinados setores da economia para evitar uma desaceleração acentuada. Ao mesmo tempo, o banco central deu indicações de que cortará a taxa básica em sua próxima reunião para definir a política monetária, em agosto, caso a pressão sobre os preços diminua.

Alex Warren-Rodriguez, economista-chefe no Vietnã do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), sustenta que o governo também deve evitar uma maxidesvalorização do dongue em relação ao dólar, que teria como efeito um aumento ainda maior da inflação, com conseqüências negativas para toda a economia. ¿O governo tem de fazer tudo o que puder para manter a cotação do dongue¿, afirmou.

Há cerca de um mês, o mercado foi tomado por rumores de que o Vietnã iria desvalorizar o dongue em mais de 30% neste ano, em razão do enorme déficit em conta corrente do país, que ficou em 10% em 2007 e pode superar os 20% em 2008, na estimativa de alguns bancos.

Por enquanto, o país conseguiu financiar o resultado negativo em suas transações com o restante do mundo por meio do aumento dos investimentos estrangeiros, e não há indicações de que o apetite em relação ao Vietnã esteja diminuindo.

¿Existe uma turbulência macroeconômica, mas isso não significa que o país deixou de ser um bom lugar para investimentos nem que deixará de crescer a taxas expressivas no futuro¿, observou Warren-Rodriguez.