Título: Jogo decisivo em Genebra
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/07/2008, Notas e Informaçoes, p. A3

Os mais influentes negociadores comerciais vão reunir-se em Genebra, dentro de uma semana, para tentar salvar a Rodada Doha antes da posse do novo presidente dos Estados Unidos. Novos esboços de acordos sobre agricultura e indústria foram apresentados na quinta-feira pelos mediadores, depois de mais uma etapa de consultas. As posições nunca estiveram tão próximas, e, no entanto, ainda falta eliminar divergências de peso sobre as condições de acesso a mercados. Os novos documentos, cada qual com mais de cem páginas de textos e de quadros, são a terceira versão produzida neste ano. ¿Um acordo para abrir o comércio agrícola e industrial significará mais crescimento, melhores perspectivas para o desenvolvimento e um sistema comercial mais estável e mais previsível¿, disse o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. ¿Não devemos deixar esta oportunidade escorrer entre nossos dedos.¿

Um grupo de 25 a 30 ministros deverá participar do encontro, falando em nome das principais potências desenvolvidas - Estados Unidos, União Européia, Japão e Suíça - e também das economias emergentes e em desenvolvimento de maior peso, como Brasil, Índia, China e África do Sul. Se chegarem a um acordo sobre a liberalização dos mercados do agronegócio e da indústria, poderão influenciar a decisão dos demais membros do sistema e abrir caminho para um acerto final. Faltarão detalhes importantes e complexos para negociação nos meses seguintes, mas a etapa mais difícil terá sido vencida.

Para o Brasil e para o Mercosul, o novo esboço de acordo sobre o comércio de bens industriais apresenta um avanço importante. Se a proposta for aprovada, o bloco regional terá maior flexibilidade para proteger setores de sua indústria. A lista de bens sujeitos a maior proteção alfandegária será calculada com base no valor total das importações brasileiras de produtos não agrícolas. As importações brasileiras são muito maiores que as dos outros sócios do Mercosul. Graças a isso, Argentina, Paraguai e Uruguai terão uma cobertura mais ampla do que teriam se as listas fossem calculadas com base no comércio de cada país.

O mesmo benefício será concedido a outra união aduaneira, formada por África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia. Nos dois casos, a concessão é apresentada sem colchetes, isto é, sem ressalvas. Esta é uma vitória importante.

O rascunho do acordo sobre comércio agrícola é bem menos satisfatório. As dificuldades, agora, estão concentradas na questão do acesso a mercados. Um dispositivo incluído pelo mediador permite aos países desenvolvidos criar mais cotas de importação. Se essa proposta prevalecer, poderão ser impostas novas barreiras a produtos ¿sensíveis¿. A lista poderá incluir produtos de grande interesse para as economias em desenvolvimento - como o etanol, no caso do Brasil. Uma pequena lista de bens ¿sensíveis¿ poderá causar grandes perdas.

Outra concessão prevista no rascunho poderá dificultar o comércio entre o Brasil e outros países em desenvolvimento, como a Índia, a China e muitas economias menores. Os países em desenvolvimento poderão impor barreiras mais altas a uma lista de produtos ¿especiais¿ do setor agrícola, com base em critérios de ¿segurança alimentar¿, ¿desenvolvimento rural¿ e ¿defesa de condições de vida¿ de pequenos produtores.

As pressões para a criação dessa categoria de produtos ganharam intensidade a partir da reunião ministerial de Hong Kong, em 2005. Os negociadores da Índia e da China foram especialmente ativos na defesa dessa inovação. A adoção de ¿produtos especiais¿ no comércio agrícola não interessa objetivamente aos países mais competitivos, como o Brasil, mas o governo brasileiro deu espaço às manobras nessa direção. Mais que isso, a idéia foi apoiada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrícola, em nome de supostos interesses dos pequenos produtores.

Haverá um jogo duro, em Genebra, na semana do dia 21. O representante europeu, Peter Mandelson, será pressionado pelos interesses protecionistas, defendidos principalmente pelo governo francês. A representante americana, Susan Schwab, falará em nome de um governo em fim de mandato. Entre os países em desenvolvimento ainda há divergências importantes.

Mas o jogo é importante demais para se aceitar, fatalisticamente, um novo fracasso.