Título: Uma LDO melhorada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/07/2008, Notas e Informações, p. A3
O Congresso Nacional conseguiu - fato raro - aperfeiçoar o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviado pelo Executivo. Cumpriu sua função e, além disso, tentou retomar pelo menos parte do espaço ocupado, com sua complacência, pela Presidência da República. Um exame com pente-fino poderá, talvez, detectar problemas no texto aprovado na terça-feira em sessão conjunta do Senado e da Câmara. Mas o balanço geral do trabalho realizado é positivo.
A LDO estabelece as prioridades e as linhas gerais do Orçamento-Geral da União (OGU) elaborado no segundo semestre de cada ano. A meta fiscal fixada para 2009 é a mesma definida originalmente para 2008. Está previsto para o setor público um superávit primário equivalente a 3,8% do PIB. O governo central deverá responsabilizar-se pela maior parte (2,2%) desse resultado. Desse valor ainda se poderá deduzir 0,5% do PIB (R$ 15,56 bilhões) para execução de obras do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), um conceito criado em discussões com o Fundo Monetário Internacional. O governo jamais conseguiu executar essa despesa, por deficiência administrativa, mas esse problema não é da alçada do Congresso.
A meta do superávit primário parece modesta, se avaliada com base no desempenho fiscal deste ano. Extra-oficialmente, o governo elevou seu alvo, em 2008, para 4,3%, sem ter de realizar cortes importantes de gastos. Resultados próximos desse vêm sendo obtidos há vários meses, graças à elevação da receita. O combate à inflação ficaria mais fácil se um objetivo fiscal fosse mais ambicioso, mas seria irrealista esperar do Congresso uma iniciativa nessa direção.
A disciplina orçamentária seria muito menor, no entanto, se os congressistas tivessem aprovado o projeto original da LDO. Na versão inicial, o Executivo tentou obter autorização para realizar as despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mesmo sem dispor, no próximo ano, de um orçamento aprovado. Houve resistência no Congresso, estimulada pela imprensa. Parlamentares governistas ainda tentaram uma fórmula alternativa, mas sem êxito.
No final, prevaleceu uma solução parecida com aquela adotada em anos anteriores - apenas um pouco mais flexível. Se a proposta do OGU não for aprovada até o fim do ano, o governo poderá realizar livremente despesas obrigatórias por lei e mais algumas listadas no artigo 69 da LDO. Poderá, além disso, desembolsar até 1/12, mensalmente, de "outras despesas correntes de caráter inadiável" até a sanção da lei orçamentária.
Com essas exceções, tradicionais na maior parte, o governo pode funcionar razoavelmente por alguns meses. Se a autorização incluísse também as obras do PAC e outros investimentos, a lei orçamentária perderia boa parte de sua função institucional. O Congresso já se desvaloriza quando atrasa, sem motivo razoável, a aprovação da lei orçamentária. Isso tem ocorrido com freqüência. Se ampliassem o poder do Executivo para operar sem orçamento, os congressistas dariam ao mundo um atestado da própria irrelevância.
Na mesma linha de revalorização do Congresso, a LDO contém, no artigo 59, uma tentativa de limitar a abertura de créditos extraordinários por meio de medidas provisórias. O uso desse instrumento só será admissível "para atender a despesas decorrentes de fato urgente, relevante e imprevisível". Esse limite já está na Constituição e foi reafirmado recentemente por decisão do Supremo Tribunal Federal. Mas caberá aos congressistas impor a barreira às tentativas de abuso do Executivo.
Em junho, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) denunciou a abertura de uma brecha, no projeto da LDO, para superfaturamento de obras públicas. O perigo surgiu com a troca de uma palavra no artigo 109, relativo ao custo unitário de materiais e serviços destinados a obras.
O texto encaminhado este ano era ligeiramente diferente daquele usado entre 2003 e 2008. Apontado o perigo, a relatora do projeto, senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), alterou o texto, restabelecendo a referência a "custos unitários" de insumos ou serviços "iguais ou menores que a mediana de seus correspondentes no Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil". Esse cuidado não elimina o risco de fraudes, mas contribui para a prevenção, se não ficar apenas no papel.