Título: Rodada Doha: outro dia sem avanço
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2008, Economia, p. B4

Pressões dos países ricos sobre Brasil e demais emergentes pela abertura do mercado industrial se intensificaram

Com os países emergentes pressionados a fazerem concessões e liberalizarem suas economias, os ministros das principais economias do mundo encerraram mais de 12 horas de negociações na madrugada de hoje (3h30 da manhã) sem um acordo para salvar a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), sete anos depois de seu lançamento. O governo americano insistiu que, para reformar seus subsídios, exigia um preço alto: a abertura de setores inteiros da economia dos países emergentes para a importação. "Foi um encontro muito tenso. Ainda não há acordo", afirmou ao Estado um dos mediadores das negociações, Don Stephanson.

Rodada Doha: entenda o que está em jogo nas negociações

"Ainda há muita coisa a ser definida. Não temos um acordo equilibrado por enquanto", afirmou o chanceler Celso Amorim, irritado. "Fizemos alguns progressos, mas não o suficiente", disse o ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, citando alguns avanços na definição de regras agrícola. "O progresso foi pequeno", completou a representante de Comércio dos EUA, Susan Schwab, acusando a Índia de estar bloquenado as negociações. O encontro será retomado hoje.

Enquanto ministros e diplomatas entravam e saíam da sede da entidade no meio da noite, outros eram destacados para avaliar a impacto das novas ofertas nos diferentes setores da economia. China e Índia ainda mostravam resistência em abrir seus mercados para produtos agrícolas. Já Amorim não disfarçava seu mau humor e se recusou a detalhar o encontro. Um acordo ainda entre os ministros determinou que nenhuma informação sairia das salas de negociações.

A Rodada Doha foi lançada em 2001 para tentar corrigir distorções nos mercados internacionais, com a justificativa de fazer com que os países pobres se desenvolvessem. Hoje, testa a habilidade da comunidade internacional em administrar a globalização diante do surgimento de novas potências comerciais.

Ontem, sete países foram convocados para trabalhar por um acordo, numa reunião de mais de dez horas. Os países emergentes foram representados pelas principais economias que crescem no mundo: Brasil, Índia e China. Já entre os ricos estavam EUA, União Européia, Japão e Austrália.

No centro do furacão estava a pressão dos países ricos para que os emergentes abram seus mercados para bens industriais, em troca de uma maior abertura agrícola em seus mercados. A Fiesp e outros setores industriais nacionais passaram o dia alertando o governo de que não estavam dispostos a fazer amplas concessões.

O Itamaraty acusou o governo americano de estar tentando dificultar a conclusão da Rodada. A Casa Branca havia oferecido limitar os subsídios agrícolas em US$ 15 bilhões ao ano, perto dos US$ 13 bilhões que Brasil e Índia queriam. Em troca insistiu que alguns setores tivessem suas tarifas eliminadas nos países emergentes, entre eles máquinas, eletrônicos, químicos e veículos. Para o Itamaraty, a opção está fora de qualquer acordo.

Como forma de se defender das pressões, Amorim e o governo indiano montaram uma estratégia de tentar pressionar os americanos no setor agrícola, alegando que os US$ 15 bilhões eram insuficientes e elevando o preço de uma abertura de suas economias como pagamento pelo corte de subsídios.

No meio da noite, uma nova proposta foi apresentada para o corte de tarifas industriais do Brasil, liberalizando parte das importações. Mas mantendo certa margem para a proteção de setores mais sensíveis. O Mercosul quer manter 14% de suas linhas tarifárias protegidas. Americanos e europeus estimam que a taxa é alta demais.

O diplomata brasileiro Roberto Azevedo, principal negociador brasileiro na OMC, admitiu no início da madrugada que novos números estavam em discussão. Amorim, irritado e visivelmente preocupado, deixou o local por uma hora, antes de retornar em plena madrugada, para a rodada final de negociações. Mas se recusou a falar.

O Itamaraty se apressou a fazer seus cálculos sobre quanto seria o impacto para os diferentes setores. Dois diplomatas foram destacados para avaliar quantas tarifas seriam cortadas e qual seria o impacto para a economia.

Outro ponto de debate foi a capacidade de os países emergentes manterem setores inteiros fora de um acordo de liberalização. Para americanos e europeus, estava fora de questão que um país tivesse o direito de manter fechado um setor industrial. Já Brasil e Índia defendiam essa opção e Nova Délhi chegou a alertar que não assinaria um acordo que obrigasse uma queda de tarifas de importação em todos os setores.

"Não vamos esquecer que os países emergentes lutam para poder se industralizar. Muitos não conseguiram no passado por causa das importações", afirmou Nath. "Essa é uma rodada do desenvolvimento", afirmou Amorim.

Momentos antes do fim da reunião, diversos governos avisavam que não fariam novas concessões. "Não há nada mais para ser oferecido no setor agrícola", alertou a secretária de Indústria da França, Anne-Marie Idrac.

Para Nath, porém, a Rodada não seria para os países emergentes darem nada. "Viemos para receber", afirmou. Para a França, porém, Brasil, Índia e China não podem mais ser considerados apenas países em desenvolvimento. "Essas são as economias que mais crescem no mundo", disse Idrac.

TRABALHO PERDIDO

Em plenas negociações, senadores americanos também enviaram uma carta de alerta ao presidente dos EUA, George W. Bush. Segundo ele, a Casa Branca não tem mandato para negociar um acordo comercial em Genebra. A carta, assinada pelos senadores Robert Byrd e Russell Feingold, diz que apenas o Congresso tem o poder de dar um mandato para a Casa Branca negociar.

"A autorização terminou para o seu governo (Bush) em 30 de junho de 2007, e o Congresso se recusou a renová-la. Pior: não há previsão de uma nova autorização para o Executivo negociar", afirmaram na carta. Para os congressistas, qualquer oferta feita pela Casa Branca poderá ser questionada pelos senadores e não terá validade.