Título: Tirem o cavalo da chuva, a inflação não vai voltar
Autor: Abreu, Beatriz; Paraguassú, Lisandra
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2008, Economia, p. B6

Lula se queixa de setores que aproveitam que o povo está consumindo mais para aumentar os preços

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu ontem um sinal inequívoco de que o Banco Central (BC) estava com carta branca para dosar o novo aumento da taxa básica de juros, a Selic, para o nível necessário para conter a escalada da inflação.

"Se alguém imagina que a inflação vai voltar, como já aconteceu no Brasil, pode tirar o cavalo da chuva porque não vai voltar", afirmou, ao final de um almoço com o primeiro-ministro de Trinidad e Tobago, Patrick Manning, no Itamaraty. "Nós tomaremos todas as medidas necessárias para manter a inflação controlada."

No início da noite, o BC divulgou que o Comitê de Política Monetária (Copom), por unanimidade, decidiu elevar a Selic em 0,75 ponto porcentual, para 13% ao ano. A decisão deve ser interpretada como uma atuação firme nas expectativas do mercado de que a autoridade monetária não permitirá o descontrole da inflação.

A alta de 0,75 ponto foi necessária para minar o repasse do aumento de preços do acatado para o varejo. Os índices divulgados recentemente mostram que o aumento de preço de produtos no atacado está girando na casa dos 10%.

Esse "aumento brusco" nos juros tem também o objetivo de se tentar um ciclo mais curto de correção da Selic e, com isso, evitar um impacto maior no investimento no País. O plano é desacelerar o crescimento econômico do nível de 5,4%, verificado em 2007, para entre 4% e 4,5% no próximo ano.

Na entrevista de ontem, Lula disse que o combate à inflação é "uma questão de honra" de seu governo e garantiu a adoção de "todas as medidas necessárias" para brecar a alta dos preços.

Na semana em que o mercado projetou, pela primeira vez, uma inflação acima do topo da meta deste ano, o presidente fez questão de dizer que a alta de preços é "danosa" para o País e que vai garantir o poder de compra dos mais pobres, "custe o que custar".

Ele atribuiu parte da alta dos preços a setores da indústria que "se aproveitam" da alta do consumo para reajustar seus produtos. "Lamentavelmente, alguns setores aproveitam o momento em que o povo está consumindo para aumentar preço. Nós precisamos cuidar disso com muito carinho", criticou.

"Eu não vou diminuir o consumo nesse País. Se tem uma coisa que o povo pobre passou a vida inteira esperando é o direito de comer três vezes ao dia, de entrar num shopping e comprar uma roupinha, alguma coisa. E isso nós vamos garantir, custe o que custar."

Lula afirmou também que a economia brasileira vive um momento "excepcional", com crescimento sustentável e vários investimentos de longo prazo sendo planejados, como siderúrgicas, refinarias de petróleo e fábricas de papel e celulose.

"Estamos pensando em várias siderúrgicas no Brasil, num trem de alta velocidade, em duas grandes refinarias - as duas, juntas, de 900 mil barris por dia. São investimentos extraordinários, que mostram que o crescimento será sustentável, realmente, e definitivo."

Antes mesmo de saber da decisão do Copom, Lula disse que a alta dos juros - o Copom já havia elevado a Selic em 0,5 ponto porcentual nas duas últimas reuniões - não representaria um problema para os investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).