Título: Líder de revolta é anistiado após 97 anos
Autor: Paraguassú, Lisandra; Godoy, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/07/2008, Nacional, p. A12

Lula sanciona projeto que reabilita João Cândido

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem a lei, de autoria da senadora Marina Silva (PT-AC), que anistia post-mortem o marinheiro João Cândido, o ¿Almirante Negro¿, líder da Revolta da Chibata, ocorrida em 1910. Além de João Cândido, outros 600 marinheiros que participaram da revolta também foram beneficiados.

A lei teve um artigo vetado: o que tornava automática a concessão de reparação aos descendentes dos marinheiros por parte do governo federal.

O argumento foi puramente financeiro: de acordo com a equipe econômica, o custo total das reparações poderia ultrapassar R$ 1 bilhão. Menos do que os R$ 2,4 bilhões que já foram pagos em indenizações por conta da ditadura militar, mas um gasto que o governo federal não estava disposto a assumir neste momento.

O veto, no entanto, não impede os descendentes de entrarem na Justiça para pedir as reparações. Apenas retira a obrigação automática, o que pode tornar o processo mais lento - e até mesmo impossível, em alguns casos, já que os descendentes teriam que provar o parentesco com alguém que morreu há décadas.

O próprio João Cândido tinha uma filha, que morreu recentemente. Estão vivos, no entanto, alguns netos.

Autora da lei, a ex-ministra Marina Silva foi informada do veto no momento da sanção, no gabinete do presidente Lula, na noite da última quarta-feira. A avaliação da senadora foi que o mais importante foi preservado, que era a anistia e a ¿reparação da injustiça¿ feita aos marinheiros.

De acordo com sua assessoria, a senadora compreendeu que o valor seria muito alto na forma em que a lei estava, mas espera que sejam definidos, depois, limites orçamentários para o pagamento das reparações.

A Revolta da Chibata aconteceu em novembro de 1910, na Baía de Guanabara (RJ), e começou a bordo do encouraçado Minas Gerais depois que o marinheiro Marcelino Menezes recebeu 250 chibatadas por ter levado cachaça para o navio. A ação já estaria sendo planejada em protesto contra os castigos físicos dos marinheiros - a maioria negros e mulatos, comandados por oficiais brancos -, mas teria sido antecipada por conta do castigo excessivo de Marcelino.

Em seguida à revolta no encouraçado Minas Gerais, outros cinco navios ancorados aderiram. Depois de tensas negociações e uma anistia aprovada pelo Congresso, os marinheiros se renderam.

Poucas semanas depois, no entanto, alguns foram expulsos da Marinha e outra revolta estourou na Ilha das Cobras, com 600 marinheiros. A maioria deles foi morta.

João Cândido, um dos sobreviventes, foi internado no hospital dos alienados como louco e indigente. Dois anos depois, os revoltosos foram julgados e absolvidos, mas nunca receberam anistia nem reparações.

A anistia foi recebida de forma desigual entre oficiais da Armada. O Comando da Marinha não emitiu nenhum comentário.

Um dos assessores do almirante Júlio Soares de Moura Neto, o comandante da Força, disse que o ato do presidente Lula é um instrumento que deve ser acatado e não discutido.

O ex-ministro da Marinha, almirante Mário Flores, considerou o fato ¿irrelevante¿. ¿Da mesma forma como eu não tinha conhecimento até agora (17h de ontem), as pessoas também não vão se interessar; é irrisório¿, afirmou.

O historiador Ênio Alves, ex-aluno do Colégio Naval, acha que a anistia ¿deveria ser precedida de um estudo que explicasse os motivos pelos quais juristas democráticos como Ruy Barbosa não apoiaram o movimento da marujada¿.

No Rio, um almirante da área operacional da Marinha condenou a medida, alegando que, a rigor, o ato faz o elogio da insubordinação e da indisciplina.