Título: Brasil dá sinais de flexibilização na Rodada Doha. Mas aliados resistem
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/07/2008, Economia, p. B8

Índia e Argentina são os mais resistentes às pressões de americanos e europeus e dificultam acordo em Genebra

O Brasil dá sinais de que pode fazer concessões na Rodada Doha, mas não consegue convencer seus parceiros entre os países emergentes, principalmente a Índia, a seguir a mesma linha. O processo na Organização Mundial do Comércio (OMC) e as próprias alianças entre o Brasil e as economias emergentes estão por um fio diante dos impasses.

O Itamaraty indicou que poderia adotar uma nova posição de abertura de seu mercado para bens industriais, ainda que modesta. O problema é que a Índia e a Argentina rejeitam, por enquanto, fazer concessões. O Itamaraty ainda sabe que não pode demonstrar um racha entre os emergentes nesse momento e o chanceler Celso Amorim chega a sair da sala de reunião cada vez que há um ponto de discórdia com a Índia para não se expôr. Mas as diferenças são claras.

Ontem, americanos e europeus continuaram pressionando os emergentes por maior acesso a seus mercados para bens industriais. A reunião entre China, Brasil, Índia, Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália entrou pelo quarto dia e não conseguiu superar o impasse de sete anos. A aposta de todos é que o encontro de hoje será decisivo.

Lançada em 2001 como forma de corrigir as distorções no comércio internacional, a Rodada Doha ganhava contornos políticos ontem. Diante da relutância da Índia em aceitar qualquer tipo de acordo, a Casa Branca decidiu colocar pressão total. O presidente americano George W. Bush ligou para o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, alertando para os riscos de um fracasso.

Num encontro reservado ontem, Amorim e a representante de Comércio da Casa Branca, Susan Schwab, concordaram que os indianos estavam dificultando um acordo. ¿Todos terão de fazer concessões, tanto os que têm interesses ofensivos como os que têm interesses defensivos¿, afirmou o chanceler, admitindo que as flexibilidades também terão agora de surgir dos demais países emergentes.

O Brasil não esconde que espera que a Índia mude de posição. Uma coisa que vem assustando o Itamaraty é que, desde que o governo indiano ganhou um voto de confiança de seu parlamento na terça-feira, a posição de Nova Délhi nas negociações foi endurecida.

Algumas horas depois da ligação de Bush, a Índia aceitou continuar negociando, mas sem fazer nenhuma concessão nem dar indicações de que poderia aceitar uma abertura de seu mercado. Diante do cenário, Amorim alertou que hoje seria um dia decisivo para o processo. ¿Acho que será amanhã (hoje) o dia em que saberemos se um acordo é possível ou não¿, afirmou Amorim. ¿Talvez não terminaremos tudo, mas precisamos ter um acordo. O tempo está se esgotando.¿ Schwab, também confirmou a necessidade de se ter um acordo hoje. ¿Veremos se todos estão preparados para fazer a sua parte.¿

Durante o dia, as resistências da Índia fizeram com que os rumores indicassem um fracasso. Mas, como resumiu o embaixador da França na OMC, Phillip Gross, ¿um morto foi ressucitado¿.

O principal debate se refere ao fato de que os emergentes julgam que a oferta feita pelos americanos em estabelecer um teto para os subsídios agrícolas é insuficiente. A Índia, portanto, usa essa desculpa para evitar fazer concessões. Argentina e África do Sul também evitam falar em aceitar o acordo.

Os americanos insistem que deve haver uma regra que estabeleça que setores inteiros da economia sejam liberalizados. A Casa Branca quer pelo menos dois: automotivos e químicos. O Brasil insiste que não tem como aceitar isso, mas concordou em debater um texto em que cada país se comprometeria pelo menos a negociar a abertura de setores, de forma voluntária.

Antes do encontro, o comissário de Comércio da União Européia (UE), Peter Mandelson, se reuniu com os Estados membros do bloco e avisou que o fracasso estava perto. Ele culpava o Brasil por adotar posições ¿extremistas¿ no capítulo de produtos industriais.Para Mandelson, as proteções pedidas pelo Mercosul à sua indústria eram ¿exageradas¿.

Mas, dentro da sala de negociação, fontes revelaram que o Brasil se mostrou flexível nos momentos decisivos.

O problema é que não conseguiu convencer os demais emergentes a seguir suas propostas. Uma delas, sugerida pelos americanos, apontava para um corte de 58% nas tarifas industriais brasileiras. Mas a Índia se recusou, dando motivos para que Argentina, África do Sul e outros também continuassem a dar declarações de que não estavam prontos para um acordo.

MERCOSUL ETERNO

Já os argentinos nem mesmo deixavam claro sua posição. Insistem que precisam manter 16% de suas linhas tarifárias em proteção no setor industrial. O Brasil aceitaria entre 13% e 14%. O problema é que os dois fazem parte do Mercosul e precisarão chegar a uma posição comum.

Ontem, o governo argentino continuava a mostrar sinais de força, rejeitando qualquer flexibilidade. Amorim preferia frases de efeito. ¿Nossa solidariedade com a Argentina é eterna.¿ Tanto no Mercosul como na aliança com a Índia, o Brasil sabe que não poderá romper a coalizão, principalmente por questões políticas.

Durante o dia, os sinais negativos se proliferavam. Em um encontro com organizações não-governamentaiss, o ministro do Comércio da India, Kamal Nath, deixou claro que a OMC não tinha mais nenhuma relevância para o crescimento da economia de seu país. ¿Seremos em breve o maior produtor de carros do mundo. Porque temos de abrir agora nosso mercado.¿

Hoje, os sete países voltam a se reunir, antes que uma reunião mais ampla, reunindo todos os 35 ministros convidados ao encontro, seja realizada.

FRASES

Celso Amorim Ministro das Relações Exteriores

¿Vamos continuar as discussões amanhã (hoje) e acho que será o dia em que saberemos se um acordo é possível ou não¿

Kamal Nath

Ministro de Comércio da Índia

¿Seremos em breve o maior produtor de carros do mundo. Por que temos de abrir agora nosso mercado?¿¿