Título: A Rodada está por um fio, admite Amorim
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2008, Economia, p. B7

Ao deixar sede da OMC, ministro diz que situação está ?complic

"A Rodada Doha está por um fio." O alerta foi dado pelo chanceler Celso Amorim, ao deixar ontem a sede da Organização Mundial do Comércio (OMC) em plena madrugada e depois de 13 dias de impasse total.

A esperança de um acordo na entidade se desfazia à medida que a reunião dramática entre os ministros entrava pela noite, com intransigências de chineses, indianos e americanos. "Não sabemos sequer se a Rodada está viva ou morta", afirmou um alto funcionário da entidade. Para muitos, o que se tenta agora é encontrar um culpado para declarar oficialmente o fim do processo.

"Não há um acordo. O tempo está acabando", lamentou Amorim, que apresentou uma série de propostas para tentar romper o impasse.

O centro do debate passou a ser a falta de um acordo entre Estados Unidos, Índia e China sobre o acesso para produtos agrícolas. O Brasil propôs um novo texto, para que o impasse fosse superado, que não prosperou. A Índia optou por tentar transferir a culpa de um fracasso sobre os americanos, perto da meia-noite. As declarações enfureceram a Casa Branca, que entrou para a última reunião pronta para anunciar que abandonaria o processo. Coube a Amorim e ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, acalmar os ânimos e pedir que todos voltassem hoje para uma última reunião. Antes disso, os ministros chegaram até mesmo a declarar o fim do processo.

Durante os debates, um dos ministros chegou a sugerir um entendimento para declarar uma "aterrissagem suave". Ou seja, decretar o fim do processo, mas de uma forma diplomática para permitir que o processo pudesse continuar em alguns meses ou anos.

No centro do furacão estava o ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, que passou o dia recusando quase todas as propostas que lhe foram apresentadas. Para complicar, o indiano tentou transferir a culpa de um fracasso para os americanos e anunciou, em plena negociação, que seu país estava disposto a aceitar uma das propostas. "Nós aceitamos a nova proposta. Mas os que não aceitaram devem se declarar", afirmou Nath, insinuando que os EUA deveriam deixar de culpar os demais e admitir que seriam o motivo do impasse agora.

Nos bastidores, porém, Amorim alertou a Casa Branca que, se não se movesse, também seria culpada pelo fiasco, além de Índia e China. A representante de Comércio americana, Susan Schwab, qualificou de "desleais" as declarações de Nath e se recusou a negociar. "A situação é muito tensa", avisou Keith Rockwell, porta-voz da OMC. "Foi um debate muito emocional", disse a comissária de Agricultura da UE, Mariann Fischer Boel.

TENSÃO

Os sinais de tensão surgiram logo cedo. O governo americano pôs de lado a diplomacia para acusar China e Índia por um eventual fracasso, já prevendo o colapso das negociações. A estratégia tinha como objetivo evitar que a culpa no final fosse atribuída aos países ricos. Num encontro com 153 países, David Shark, um dos negociadores americanos, pediu a palavra para atacar a China e acusá-la de estar retrocedendo em suas promessas.

Poucas horas depois, foi Schwab quem soava um sinal de alerta. "Um país retraiu sua posição e outro se recusa a aceitar. Era um equilíbrio delicado. Há um risco real de um fracasso".

O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson também deixou claro que o fracasso estaria vindo. "Estamos em um momento muito difícil. Se não houver flexibilidade e liderança, vamos todos cair."

Os chineses reagiram imediatamente, alegando que os americanos simplesmentes não estariam cortando de forma suficiente seus subsídios agrícolas. "É surpreendente que agora os Estados Unidos estejam buscando um culpado", afirmou o embaixador chinês, Sun Zhenyu.

Amorim tentava jogar a carta de mediador. "O principal desafio agora é manter nossos nervos no lugar", afirmou. O brasileiro, pelo menos até o início da noite, admitia que a situação estava complicada. "Estamos no limite."