Título: Tráfico e milícia têm currais no Rio
Autor: Rodrigues, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2008, Naional, p. A10

Em favelas, candidatos de fora só entram com apoio da polícia

De fuzis em punho, policiais militares esperavam, na última terça-feira, a candidata a vereador Ingrid Gerolimich (PT) chegar à favela da Rocinha, na zona sul do Rio, para um corpo-a-corpo. Conversar com eleitores de uma comunidade pobre, o que seria rotina para um candidato, tornou-se ação arriscada diante de um fenômeno em evidência na capital fluminense. Áreas dominadas há décadas pelo narcotráfico e, mais recentemente, por milícias (quadrilhas de policiais e bombeiros) estão sendo transformadas em reservas eleitorais, onde só candidatos autorizados pelo poder paralelo podem se apresentar, e moradores são pressionados a votar neles.

O aparato que esperava Ingrid foi motivado pelo ofício que ela havia enviado à Justiça Eleitoral e ao governo do Estado pedindo garantias para fazer campanha em áreas da cidade dominadas por criminosos. Aos 24 anos, loura, de olhos verdes, Ingrid não é uma patricinha com medo de entrar em favela. Moradora de Anchieta, na zona norte, já liderou um projeto social na Vila do João, uma das comunidades mais violentas do Complexo da Maré. Nunca teve problemas para circular na Rocinha, mas, ao se tornar candidata, foi advertida por colaboradores locais a não entrar mais.

Denúncias de situações do gênero têm sido recebidas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio e encaminhadas para investigação da Polícia Federal. Para o juiz Luiz Márcio Pereira, coordenador da fiscalização da propaganda eleitoral, o veto pode ser considerado coação mediante uso da violência, crime previsto no artigo 301 do Código Eleitoral, com pena de 4 anos de prisão: "Temos condições de punir com a perda do registro ou de um futuro mandato."

"Não pedi segurança para simples panfletagem. Foi um ato de protesto por todos os candidatos. Não quero ir só à Rocinha. Quero ir a todas as comunidades. Todos sabem que esse problema existe", alegou Ingrid, tentando se desvencilhar do cerco hostil dos cabos eleitorais do candidato "oficial" da Rocinha.

Presidente da Associação Pró-Melhoramentos da Rocinha, Luiz Cláudio de Oliveira, o Claudinho da Academia (PSDC), concorre pela primeira vez à Câmara Municipal. Moradores atestam que outros candidatos estão proibidos de fazer propaganda ali. Uma carta apreendida, atribuída ao comando do tráfico, é clara: "Todo empenho para o candidato da Rocinha, não aceito derrota! Ninguém trabalhando para candidato de fora, não agendar visita, não convidar para eventos."

Claudinho, que é alvo de 14 ações penais na Justiça e pode ter a candidatura impugnada, nega que o tráfico imponha sua campanha aos 56 mil habitantes da Rocinha. "Os políticos fazem a Rocinha de curral eleitoral e depois viram as costas. Não tem proibição de candidato vir aqui. Agora, se eu for fazer campanha em condomínio da Barra da Tijuca, será que serei bem recebido?"

"Em 2004, andei por toda a Rocinha por três meses sem problemas. Muitos candidatos fizeram o mesmo. Este ano, não pode. E não é só na Rocinha", diz a vereadora Andrea Gouvêa Vieira (PSDB), advertida a não pedir votos para sua reeleição na favela.

Os grupos de paramilitares que se expandiram nas zonas norte e oeste do Rio já têm no braço político uma de suas estratégias de legitimação, ao lado da força armada e da pressão por arrecadação de taxas e pedágios. No tráfico, é uma novidade.

O presidente da Comissão de Segurança da Câmara, Raul Jungmann (PPS-PE), recebeu relatos sobre a situação no Rio. Cita, ainda, o Complexo do Alemão (zona norte). "Corremos o risco de o tráfico eleger uma bancada. Isso tira a legitimidade do pleito no Rio", alerta.