Título: Maioria das ações da PF resulta em denúncia contra investigados
Autor: Filgueiras, Sônia; Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2008, Nacional, p. A14

Os entraves acontecem na etapa judicial dos processos, segundo procuradores da República

A mais recente operação da Polícia Federal, Satiagraha, que indiciou empresários de destaque, como o banqueiro Daniel Dantas, lançou dúvida sobre a eficiência das ações ditas pirotécnicas que o órgão tem feito nos últimos anos. Levantamento do Estado em relação às 80 operações de maior repercussão realizadas desde o começo do governo Lula, em 2003, mostra que na maioria esmagadora dos casos os envolvidos foram denunciados à Justiça. Para os procuradores da República ouvidos, os maiores entraves acontecem na etapa judicial.

Em apenas duas megaoperações não houve apresentação de denúncia pelo Ministério Público até o momento. Um dos casos é desconfortável para o governo: o dossiê Vedoin, que investiga, desde setembro de 2006, a tentativa de compra de documentos para incriminar políticos tucanos, com envolvimento de petistas ligados à campanha de reeleição do presidente Lula. A outra é a Operação Fox, de julho de 2006, parte de uma investigação sobre desvio de verbas federais destinadas à educação e à saúde em municípios nordestinos. Passados dois anos, o Ministério Público ainda examina a documentação apreendida para definir a quem denunciar. Informa que a demora se deve à documentação extensa e complexa.

Em 75 casos houve denúncia e, em alguns, há até condenação de réus na primeira instância. "Há uma crescente melhora no entrosamento entre a Polícia Federal e o Ministério Público nos últimos seis anos", avaliou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Antônio Carlos Bigonha. Para o procurador, a melhora da eficiência é especialmente visível nas investigações que envolvem crimes financeiros ou desvio de verba pública.

De 2003 a 17 de julho de 2008, a PF realizou 590 operações contra todos os tipos de quadrilha do crime organizado no País. Essas ações levaram 9 mil pessoas à prisão, das quais 1.337 eram servidores públicos. Porém, só algumas dezenas foram julgadas e uns poucos gatos pingados continuam presos. É o caso do juiz João Carlos da Rocha Mattos, preso na Operação Anaconda, em 2003, e do chinês Law Kin Chong, considerado o maior contrabandista do País, que saiu e voltou da prisão três vezes, desde a Operação Shogun, de junho de 2004.

PRAZOS VARIADOS

A surpresa do levantamento está na dispersão de prazos que o Ministério Público consome para apresentar as denúncias.

Às vezes elas são oferecidas à Justiça no mesmo momento em que a operação é realizada. Foi o caso da Gladiador, que em dezembro de 2006 desbaratou quadrilha de bicheiros, policiais, contadores e advogados.

Mas em cinco casos, todos anteriores a 2007, a apresentação da denúncia foi feita mais de dois anos depois da operação. Na Operação Vampiro, por exemplo, o Ministério Público levou dois anos e quatro meses para levar à Justiça 33 acusados de fraudes na compra de hemoderivados do Ministério da Saúde, entre os quais o ex-ministro Humberto Costa e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. "Em operações com número elevado de envolvidos em que o Ministério Público não compartilha das investigações durante o inquérito, a tendência é haver mais demora, assim como casos que dependem de cooperação internacional", explicou o procurador José Robalinho Cavalcanti, do Ministério Público do Distrito Federal.

Robalinho tem um importante inquérito que se arrasta há mais de três anos: o que investiga o suposto envolvimento em corrupção de Waldomiro Diniz, ex-assessor da Casa Civil. Entre outros problemas, as investigações enfrentaram desencontros entre PF e o Ministério Público na fase inicial.

Bigonha cita outras causas: operações muito amplas demandam laudos periciais em diversos locais. Casos em que os envolvidos têm papéis ou atividades muito diferentes também demandam mais esforço das autoridades.

Em outros inquéritos a denúncia foi feita em menos de 30 dias. É o caso da Operação Furacão, que desmontou organização criminosa ligada à exploração de jogos, com o suposto envolvimento de três desembargadores do Tribunal Regional Federal e de Paulo Medina, ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça, denunciados uma semana após as prisões e apreensões.

Também houve rapidez na denúncia de operações realizadas pela Força Tarefa Previdenciária, que permitiu a atuação integrada do Ministério Público com a Polícia Federal. Foi o caso da Ajuste Fiscal e da Caronte, que desmantelaram quadrilhas que faziam cancelamentos fraudulentos de dívidas de empresas junto ao INSS.

O que mais atormenta procuradores é a tramitação dos casos na Justiça após a denúncia. De acordo com eles, são vários os mecanismos para atrasar o andamento do processo. "A culpa não é do advogado, que é pago para fazer o melhor para o seu cliente, mas do sistema processual", afirma o procurador Gustavo Pessanha, também do DF. "A maioria das interceptações telefônicas em crimes contra a administração pública, financeiros ou de lavagem de dinheiro acabam atingindo autoridades com foro privilegiado. Nomeações para cargos com essas prerrogativas são feitas para atrasar os processos."

A procuradora regional Silvana Batini, do Ministério Público Federal do Rio, dedica seu doutorado ao estudo dos entraves na tramitação das ações e diz: "Há uma banalização no uso dos habeas corpus. Com esse instrumento, é possível levar muito rápido um processo às instâncias superiores".